Revista Universidade e Sociedade - Andes-SN
Revista Universidade e Sociedade - Andes-SN
Revista Universidade e Sociedade - Andes-SN
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Escritos Militantes<br />
os sujeitos foram falando sobre a vida cotidiana,<br />
que parece ser rica em relacionamentos e ajuda.<br />
Existe certo conformismo, mas também se percebe<br />
resistência: teimosamente, eles sobrevivem, o que se<br />
percebe em Pelotas e também na pesquisa realizada<br />
por Machado (2009) na Região Metropolitana de<br />
Porto Alegre. O MTD parece fazer parte da vida<br />
dos sujeitos, pelo menos no que diz respeito às<br />
possibilidades de suprir necessidades5 .<br />
2. Fim da centralidade do trabalho?<br />
O levantamento da condição de vida e do tipo<br />
de relação com o emprego direciona para o debate<br />
do fim da centralidade do trabalho, que ocorreu<br />
no bojo das mudanças do padrão de acumulação<br />
capitalista, ocorridas a partir dos anos 1970, que se<br />
processaram pela incorporação do conhecimento,<br />
via a maquinaria, em detrimento do trabalho vivo<br />
no processo produtivo, nas mudanças ocorridas por<br />
meio da flexibilização do trabalho e na sociabilidade<br />
humana de modo geral. Na década de 1990, também<br />
aqui no Brasil, houve uma repercussão muito grande<br />
nas teses que defendem a perda, ou o fim, da análise<br />
sociológica que explica a estrutura e a dinâmica<br />
social a partir do trabalho. Para essas teses vivemos<br />
um processo de mutação cultural em relação ao<br />
trabalho. O trabalho estaria deixando de ser o<br />
tempo social dominante, o emprego formal estaria<br />
perdendo sua centralidade na organização da<br />
economia, na administração do tempo, nas próprias<br />
vivências individuais.<br />
Nesta perspectiva, autores como Offe discutem<br />
a perda da centralidade da categoria trabalho na<br />
contemporaneidade. Para o autor, em sua obra<br />
Capitalismo desorganizado (1995), a ‘sociedade<br />
do trabalho’ não mais se constitui referência para a<br />
análise sociológica, na atualidade. O autor argumenta<br />
que as transformações no mundo do trabalho<br />
levaram à “superação do trabalho industrial” e com<br />
isto o trabalho se desloca para o setor de serviços<br />
e os trabalhadores, em serviços, não se identificam<br />
como tal. São assalariados gestores do capital e,<br />
consequentemente, não mais correspondem àquele<br />
modelo tradicional de trabalhador inspirado<br />
50 UNIVERSIDADE E SOCIEDADE<br />
pelo marxismo. A classe trabalhadora não é mais<br />
constituída de trabalhadores operários, mas, sim, de<br />
prestadores de serviços.<br />
Para Offe (1995) as pesquisas começaram a se<br />
preocupar com o “mundo vivido”, em vez de se<br />
preocuparem com a pobreza e com o desemprego,<br />
e passaram a se voltar às subjetividades. Conforme<br />
o autor, precisamos de novos conceitos, pois todos<br />
aqueles que tínhamos já não são mais “potentes”,<br />
porque já temos outra realidade. Consequentemente,<br />
os conflitos que se davam no âmbito da produção são<br />
agora deslocados para o “mundo vivido”. Pode-se<br />
concluir que, para o autor, excluídos são os que não<br />
têm acesso ao consumo. Ele fala como se o acesso ao<br />
consumo não fosse decorrência do lugar dos sujeitos<br />
no processo produtivo, na objetividade das relações<br />
de produção, e não estivesse na dependência do<br />
emprego e da remuneração obtida.<br />
Já Gorz (1982) entende que as categorias<br />
marxistas ainda são insubstituíveis e que a perda da<br />
centralidade do trabalho decorre do esgotamento<br />
de uma modalidade de trabalho, o trabalho<br />
industrial assalariado. Para o autor, o trabalho é<br />
central, quando o trabalhador se reconhece nele.<br />
Então, para ele:<br />
Com o desaparecimento do operário<br />
profissional polivalente, sujeito possível da<br />
transformação revolucionária das relações<br />
sociais, desapareceu a classe capaz de tomar sob<br />
sua responsabilidade o projeto socialista e de<br />
realizá-lo nas coisas. A degenerescência da teoria<br />
e da prática socialistas vem fundamentalmente<br />
disso (GORZ, 1982, p. 85).<br />
No Brasil, autores como Frigotto (1998) e Antunes<br />
(2000) se contrapõem aos que defendem o fim da<br />
sociedade do trabalho, reafirmando sua centralidade<br />
e potencial de transformação. Para Frigotto (2001) o<br />
trabalho é a necessidade eterna do homem, e este é<br />
o único ser que se cria através do trabalho. É pelo<br />
trabalho que o homem busca os elementos para a sua<br />
subsistência. Portanto, o trabalho continua sendo<br />
central para a vida humana, pois é preciso prover as<br />
condições de sobrevivência e estas necessidades não<br />
são estáticas, por isso não é possível simplesmente<br />
querer desconstituir o trabalho, uma vez que as<br />
necessidades humanas são ilimitadas.