Da Vida de São Domingos – Fr. Luís de

PARTICULAR DO REINO DE PORTUGAL 107
morte trcs dias havia, vigiavao-no aos quartos alguns irmãos da casa de
Noviços. E cumo era morte de santo, acompanhavâo-na com musica ale-
gre, cantando-lhe a espaços os Iiymnos de Nossa Senhora, de quem fo-
ra particular devoto, fluma tarde estando já muito no cabo, e mui en-
fraquecido, hião os moços cantando, e quando chegarão ao verso: Ma-,
ria mater gratke^ mater misericórdia.', etc. Eis que subitamente se encho
de novo fogo, e nova luz aquella vela que estava quasi apagada. Acorda
do sono da morte o que nelle jazia sepultado, levanta os braços cabidos,
o sem força, e com huma extraordinária alegria de rosto, e olhos esfor-
ça a fala que tinha perdida, e dizia alto, e de bom som, jimtando as
mãos, e batendo as palmas: Cantai, cantai filhos, cantai isso. Ficarão os
moços atónitos, parecendo-lhes que resucltava o morto, ou que era no-
vo género de psroxismo. Mas tirou-os de duvida o Irmão Frei Pedro
leigo Porteiro, que acaso se achou presente: o qual com os joelhos em
terra, e as mãos, e olhos levantados ao alto contra o leito do enfermo
adorava com devação, e alegria, dizendo palavras formaes: Levantai-vos
fradinhos, fazei reverencia á Madre de Deos. Os Noviços pasmados entre
medo, e alvoroço, com a novidade que vião no são, que tinhão por San-
to, c lhe davão credito, tanto como com a do enfermo, que era tido na
mesma conta, e todavia continuava com a festa de mãos, e prazer no-
tável do sembrante, lanção-se por terra, ainda que nada vião, repetindo
e continuando o mesmo verso. Passado hum espaço tornou o velho ao
seu tormento, e agonia, como acontece a hum espelho quando o apar-
tão dos raios do Sol, que o fazião reverberar outros claros, e fermosos.
Mas ficando cheio de animo com o Sol da visão sagrada, abraçou-se com
hum Crucifixo, e com o Santo nome de Jesus na boca, e as lembranças
da visita passada no coração, ajudado de Frei Pedro, que o não largava,
passou a melhor vida.
Se polo espirito deste Padre havemos de tirar quaes forão todos os
antigos deste Convento (que não duvido serião semelhantes), e se pola
perfeição de hum Irmão leigo, de que agora diremos, devemos julgar a
virtude dos outros deste gráo, em grande divida estamos a Évora por
tal gente. E não tenho duvida, que assi como dentro de pequenas pro-
víncias acontece haver lugares que produzem huma fruita, ou hortaliça,
que em outros por nenhuma maneira se quer dar: também ha casas que
provocão, e obrigão a mais santidade, e mais pureza de vida humas que
outras. Faz muito ao caso começar hum Convento a florecer com gente