Da Vida de São Domingos – Fr. Luís de

154 UVTIO V DA HISTORIA DE S. DOMINGOS
zendo, que soubesse que era dia do Evangelista S. João; que se era seu
devoto, comesse por amor delle. Espertou a esta voz como quem sabe de
Jiuma pesada modorra, ou de encantamento; ouvio, entendeo, falou, eres-
pondeo; foi correndo o enfermeiro ao Prior que era o Padre mestre Frei Antó-
nio Tarrique, deputado do Santo Officio, que lhe desse confessor; mandou-
Ibe o Padre Mestre Frei António da Resurreição, que então lia no Convento, e
agora lèna Universidade de Coimbra cadeira de Prima deTheologia. Achou-o
com perfeito juizo, e discurso, o conhecido do estado em que estava, que
era no ultimo fio da vida. Assi se confessou como virtuoso, e como le-
trado; e estava tanto no cabo, que não houve tempo pêra lhe darem o
Viatico, e somente foi ungido, e acabou logo. A vida passada era tão
boa, e a confissão presente foi tal, que o Prelado affirmou, que se o dia
vseguintc, em que o derão á terra, não fora dos Santos Innocentes, em
que a igreja muda paramentos, com os de festa lhe houvera de celebrar
as exéquias, como a Santo, que por tal o tinha, e que não era inconve-
niente o successo de não poder receber o Santíssimo Sacramento, por-
que todos sabião que muitas vezes o recebera quando andava enfermo,
antes de cahir naquelle adormecimento mortal.
Gonla-se d'este Padre, que com ser continua a sua occupação de
pregar, todas vezes que era chamado pêra fazer alguma confissão, acu-
^lia muito levemente, e de boa vontade. E succedendohumdia chamal-o
hum irmão leigo, em conjun(;ão que ao mesmo parecia impossível deixar
o que fazia, elle se levantou, e largou tudo, dizendo: Vamos, vamos. Quat
m\ eu se me faltará a rai a Conlissão, quando eu faltar com ella ao pró-
ximo? Pagou-lhe Deos n'esta parte tanto á medida da necessidade, como
.vimos; pêra exemplo, e aviso do que está escrito; que pola mesma va-
ra que medirmos pêra nosso próximo, se ha de medir pêra nós (1).
Mas devemos n'este passo grandes louvores á Misericórdia Divina,
que dando trabalhos, logo sabe dar os meios pêra serem toleráveis. As-
iíi proveo a Frei Duarte de hum enfermeiro, que como se fora mãi, e
mâi muito maviosa, e elle filho minino, e muito querido, assi curava
.d'elle, assi o alimpava, e pensava, e amimava; e fazendo rara, e penosa
penitencia na penitencia alliea constantemente o sérvio até o ultimo es-
pirito. Grande gloria da Religião, e grande boa ventura dos que a sabem
buscar, pois só n'ella se achão estes milagres de charidade. Não diremos
o nome, por seguirmos o que havia o Espirito Santo, que he não
(1) Uatb. 7.