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PAlVnCCLA[l DO REÍXO DE POllTLGAL 113<br />
vante: na prini3ira occasiâo que se offorecco tirou-o a Gapitiilo, ropren-<br />
<strong>de</strong>o-o asperamente, estran!iando-lhe não o achar na portaria, e mandoii-o<br />
tomar huma disciplina. Nunca o penitente se <strong>de</strong>u por mais favorecido,<br />
<strong>de</strong>scobrio os hombros não só com facilida<strong>de</strong>, mas com alegria. Carre-<br />
gou-llie o Prior a mão, e <strong>de</strong>spois que satisfez sua severida<strong>de</strong>, esperava<br />
que o súbdito dissesse, como então se costumava, peccavi, pêra com isso<br />
parar, e em quanto o penitente tardava com este conhecimento da cul-<br />
pa, o Prelado não cessava do castigo, como contra espirito rebel<strong>de</strong>, e<br />
teimoso. E tendo-o por tal, porque não fazia o sinal <strong>de</strong> culpado, levan-<br />
tou o braço, e a voz, e apertando a disciplina, e mandando-lhe junta-<br />
mente que dissesse, peccavi, <strong>de</strong>scarregou <strong>de</strong> novo com tanta força, que<br />
já não era disciplinar, se não ferir, e arrebentar o sangue. E o pobie<br />
porteiro em lugar <strong>de</strong> peccavi, que o Prior esperava, dizia com humilda-<br />
<strong>de</strong> : <strong>Da</strong>i boas, dai, dai. Correndo o sangue, e lavando-lhe as costas, aco-<br />
dio o mestre <strong>de</strong> noviços, que era <strong>Fr</strong>ei João <strong>de</strong> Aveiro, Religioso <strong>de</strong> au-<br />
torida<strong>de</strong>, e velho, e lançando-lhe sobre a cabeça o escapulário, pedio,<br />
ao Prior que cessasse : e disse a <strong>Fr</strong>ei Pedro que acabasse <strong>de</strong> dizer, pec-<br />
cavi. Acodio elle todo risonho dizendo : Verda<strong>de</strong> he que peccavi, mas por<br />
isso mais disciplina, e mais castigo. Cahío então na conta o Prior, com<br />
todos os presentes, que era santida<strong>de</strong> o que julgavão por pertinácia, e<br />
vendo-o ferido, e chagado, mas nada <strong>de</strong>scontente por isso, ficarão com-<br />
pungidos e confusos, e movidos a lagrimas.<br />
O mesmo gosto mostrava se alguma vez era mandando assentar em<br />
terra, ou fazer penitencia <strong>de</strong> pão, e agoa, segundo he estilo da Religião<br />
em culpas ás vezes bem leves. Como elle nunca bebia vinho, era viço,<br />
e gloria a penitencia : mas o Prelado pêra mortificação, mandava-lhe pôr<br />
vinho em lugar <strong>de</strong> agoa. Isto sentia muito, e com tudo por encontrar o<br />
gosto, que tinha n'aquella abstinência, bebia hum pouco, e logo manda-<br />
va pedir misericórdia na bebida, e tornava á sua agoa. Procurando também<br />
vingar-se do appetite da gula, e <strong>de</strong> caminho ficar julgado por vil,<br />
e baixo, como em tudo pretendia, fazia <strong>de</strong> ordinário na mesa mestura-<br />
das <strong>de</strong> peixe com os legumes, ou ervas, e com a mostarda, e azeite, c<br />
vinagre, revolvendo tudo, e comendo-o assi com asco próprio, e dos vi-<br />
zinhos : e se lhe perguntavão pola rezão, dava-a tão pouco politica, como<br />
era a obra, dizendo que fazia <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo o que no estômago havia <strong>de</strong><br />
acontecer <strong>de</strong>spois. E se lhe p unhão nome <strong>de</strong> torpeza ou grosseria, aco-<br />
VOL. 11 S