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Da Vida de São Domingos – Fr. Luís de

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IG UVUO IV DA HISTORIA DE S. DOMINGOS<br />

Porque qualquer entendimento, por mui rústico que fosse, podia alcan-<br />

çar que muito menos bastava pêra haver por bem seguro hum cativo<br />

morto <strong>de</strong> fome, e moido <strong>de</strong> trabalho. E a verda<strong>de</strong> he, que saneava a<br />

raiva, e o gosto, que tinha <strong>de</strong> fazer mal ao Ghristâo, com mostrar que<br />

nacia <strong>de</strong> cautela. Mas era já tempo, em que Deos queria <strong>de</strong>clarar ao<br />

mundo, quanto acerta quem a este Santo busca, e ama : e quanto po<strong>de</strong>m<br />

seus méritos, e intercessão diante da Divina bonda<strong>de</strong>. Iluma noite, <strong>de</strong>s-<br />

pois que o Mouro o meteo na triste masmorra na forma que temos dito,<br />

sobre algemas nas mãos, e outros ferros nos pós, lançou-lhe no pescoço<br />

hum grosso collar, das argolas do qual sahia huma forte ca<strong>de</strong>a <strong>de</strong> trinta<br />

palmos, com que lhe foi dando voltas, e enrolando o corpo todo. E pcra<br />

dormir mais a sono solto, lançou sobre o alquicer que vestia, iium al-<br />

fange em tiracolo, e pren<strong>de</strong>o hum libreo que tinha ás argolas da aixa.<br />

Feita esta diligencia esten<strong>de</strong>o-se sobre ella, e contente do que tinha <strong>de</strong><br />

novo acrecentado, bateo-lhe <strong>de</strong> cima, dizendo que se nâo esquecesse <strong>de</strong><br />

fazer oração ao seu <strong>Domingos</strong> da Sovereira, que o viesse livrar <strong>de</strong> suas<br />

mãos. Bem he <strong>de</strong> crer que se não <strong>de</strong>scuidaria o sepultado <strong>de</strong> tomar o<br />

conselho <strong>de</strong> seu enemigo, e oíferecer aos olhos da Divina misericórdia<br />

por meio do Santo, aquellas mesmas palavras, e ironia. Como fez n'ou-<br />

tro tempo Imm Rei Santo, acarta, e blasfémias <strong>de</strong> hum Gentio (1). Assise<br />

lançarão a dormir á noite ambos em terra <strong>de</strong> Mouros : assi amanhecerão<br />

amo, e escravo, em terra <strong>de</strong> Ghristãos, com gran<strong>de</strong> distancia <strong>de</strong> legoas<br />

em meio, e á porta <strong>de</strong> S. <strong>Domingos</strong> da Sovereira, em Penamacor. Lou-<br />

yem-vos os Anjos, Deos dos exércitos, (jui facís mirabilia magna soliis.<br />

Abrio o Mouro os olhos, vio-se entre montes, e cercado <strong>de</strong> gente, que<br />

polo trajo, e espanto que fazia <strong>de</strong> sua vista, conhecia ser Christã. Es-<br />

pantava-se o enterrado na arca, ouvindo lingoagem da sua terra, e mui-<br />

tas vozes juntas. Mas nem amo, nem cativo se atrevião a dar credito<br />

hum aos olhos, outro aos ouvidos : ambos havião que era tudo sonlio.<br />

Em fim como não he fácil <strong>de</strong> enganar o sintido da vista, e o Mouro vio<br />

que tudo o <strong>de</strong>senganava, e que estava entre Ghristãos, não por sonhos,<br />

senão com effeito, que via Igreja, e ouvia som <strong>de</strong> sinos, que a iníi<strong>de</strong>h-<br />

da<strong>de</strong> sobre tudo aborrece, acabou <strong>de</strong> cair que não erão palavras mal<br />

fundadas as do seu cativo, quando tanta coufiança fazia do seu S. Do-<br />

mingos. Lembrava-se <strong>de</strong> tudo com estranha confusão, e só <strong>de</strong>sejava sa-<br />

ber por ultimo <strong>de</strong>sengano se estava em Portugal. Gomo tinha conheci-<br />

(1) 4. U

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