Da Vida de São Domingos – Fr. Luís de

^AUTiCULAR DO REINO DE PORTUGAL 193
gou ao Hm da vida, das sezões que dissemos, acompanhando-a a Com-
munidade, sobreveo-lhe hum desmaio que pareceo termo de quem que-
ria acabar. Quando todas cuidarão que se finava, ella tornou rindo com
hum gesto, e viveza de sã. Disse-lhe huma das que estavão mais per-
to : Que he isto Madre, de que rides ? Vistes por ventura aquella Se-
nhora de quem sois tão devota ? Respondeo a enferma palavras formaes:
Ella me deu a sua graça. E sem dizer outra cousa rendeo a alma ao
Creador* Seguirão-na as Madres de commum consentimento, não com
canto funeral, e triste, mas como em triunfo com hum alegre Te Deum
laudamos, segundo era decente a quem morria com o sinal que o Espi-
rito Santo dá da molher> que canoniza por Santa, dizendo ; Et ridebit
in die novissimo (1)
: Morrerá rindo»
CAPITULO XXXIV
Das Madres Sor Anna Villela, e Sor Anna Carreira.
A Madre Anna Villela ganhou nome de esmoler não tendo de seu
nada, e vivendo entre Freiras pobríssimas. Mas aqui cabe o louvor que
teve a velha do templo por boca da summa Verdade (2): que deu mais
que os ricos, que vazavão bolsas, só com dar os seus dous seitis, porque
elles davão das bolsas cheias, e do que lhes sobejava ; ella dava da boca,
e tirava da sustentação d'aquelle dia. Nem mais nem menos fazia esta
Madre : partia a pobre pitança polo meio : juntava-lhe o que podia po-
las amigas, e pola mesa, e consolava hum pobre. Isto fez sempre, e cada
dia sem mudança. Mas havendo quem lh'o estranhava despois de velha,
e fraca, dizendo que havia mister ajudar-se do mantimento, com lem-
brança que a charidade começava pola própria pessoa (que até idiotas
sabem Theologia em proveito do corpo) ella respondia, que huma
ametade queria pêra a alma, e a outra bastava pêra o corpo. Toda a
.vida teve de costume levantar-se infalivelmente á meia noite: e reza-
va logo com particular devação os sete Psalmos penitenciaes : e quan-
do chegava ao verso do sétimo, que diz: Expandi manus meãs ad te:
anima mea sicut terra sine aqua tibi: a estas ultimas palavras batia nos
peitos com huma pedra com tanta força, que acordavão as Religiosas
ao estrondo dos golpes: e o costume de as ouvirem cada noite, e ás
(1) Proverb. 31. (2) Luc. 21.
voL. II i:]