Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
lli LIVUO V DA HISTOIUA 1)K S. DOMINGOS<br />
dia logo com a sua reposta, que como armas <strong>de</strong> prova fazia servir<br />
pêra tudo : Mal <strong>de</strong> meu peccciddy folga-te tu com isso.<br />
Nos dias que na Communida<strong>de</strong> se comia carne (como antigamente<br />
era costume no Convento <strong>de</strong> Évora) domingos, e terças e quintas feiras<br />
por particular <strong>de</strong>spensaçâo que havia, fazia elle Imns caldos pêra si <strong>de</strong><br />
ortigas, e malvas, e algumas folhas <strong>de</strong> couve, com pouco azeite, sem<br />
procurar outra cousa. Mas nos dias, que havia peixe no refeitório, co-<br />
mia sua pitança, salvo á sesta feira, que não tomava mais que o caldo,<br />
ou ervas : e porque erão guisadas com mais cuidado que as suas orti-<br />
gas, pêra lhe tirar todo o bom sabor lançava-lhe em cima hum golpe<br />
<strong>de</strong> agoa : e se lhe perguntavâo a causa, dizia que pêra esfriarem. Por<br />
hum dia <strong>de</strong> Páscoa, mandou-lhe o Prior <strong>Fr</strong>ei Manoel Estaco na mesa<br />
hum peito <strong>de</strong> perdiz : e ou fosse charida<strong>de</strong>, ou tentação, <strong>Fr</strong>ei Pedro res-<br />
pon<strong>de</strong>o por quem lh'o trouxe, que se lha mandava comer por obediên-<br />
cia, que o faria : mas se esta força não havia, fosse servido <strong>de</strong> lhe não<br />
espertar a gula, que segundo a sua era <strong>de</strong>senfreada temia que tomasse<br />
fogo com aquelle mimo, e quo tevesse <strong>de</strong>spois muito trabalho em a do-<br />
mar, e reduzir á rezão. A este modo se mortificava em tudo o mais,<br />
e:ii que a carne costuma receber <strong>de</strong>leitação.<br />
E porque o vestido, e atavios da pessoa são cousas <strong>de</strong> que nossa humanida<strong>de</strong><br />
se paga muito, até entre os que não vestimos mais que huma<br />
mortalha, <strong>de</strong> nenhuma maneira se podia acabar com Fi'ei Pedro, (jue<br />
vestisse habito novo. Quando o que trazia chegava a estado <strong>de</strong> parecer<br />
in<strong>de</strong>cencia usar d'elle por esfarrapado, e roto, então vestia outro, quo<br />
fosse <strong>de</strong>ixado <strong>de</strong> algum <strong>Fr</strong>a<strong>de</strong> leigo como elle :<br />
e este havia <strong>de</strong> ser dos<br />
mais velhos, e do pano mais grosseiro. A túnica interior <strong>de</strong> junto ás car-<br />
nes, que na Or<strong>de</strong>iu he costume ser <strong>de</strong> estamenha, usava elle <strong>de</strong> burel<br />
grosso, e áspero. Assi se armava contra o mimo, e vangloria. E pêra fi-<br />
car em tudo <strong>de</strong>sfigurado, e a quem o visse <strong>de</strong>sprezível, e aborrecido,<br />
como o mundo está tão posto em fazer honra ao bom trajo, e composi-<br />
ção exterior, lançava no inverno sobre o habito hum bernio grosseiro,<br />
e velho (chamamos bernio a hum género <strong>de</strong> mantas <strong>de</strong> lã <strong>de</strong> felpa gros-<br />
sa, e muito encorpada, que por virem <strong>de</strong> Irlanda, que também se diz<br />
Ibernia, retém comnosco parte do nome da terra) e representava assi<br />
entrajado huma figura monstruosa: porque além do bernio metia entre<br />
a túnica, e o habito huma almofada <strong>de</strong> lã sobre o estômago, <strong>de</strong> que era<br />
indisposto polas penitencias que fazia. Este género <strong>de</strong> vestido era causa