Da Vida de São Domingos – Fr. Luís de

218 LIVRO V DA HISTOUIA DE S. DOMINGOS
o1)rigao muito, como também disse, que llie dava brados o sangue de
Abel (1). Notarão alguns Padres que quando assi orava, lhe resplandecia
o rosto com huma luz tâo viva, que parecia espellio ferido de raios
do sol. E em bum estormento de testimunlias, que se tirou diante
do Ordinário em Santarém pouco despois de falecida, bouve algumas
que deposerão, verem-na levantada no ar. E aifirma seu Confessor,
que erão grandes as consolações, e mercês, que de ordinário recebia
do Senhor, grande a alteza de visões qae tinha, e que quasi nunca
commungava, que o Senhor nâo alegrasse sua alma, e confirmasse sua
fé com alguma particularidade divina, que lhe mostrava visivel na hós-
tia sagrada. E foi huma d'ellas vista por algumas "das testimunhas, que
deposerão diante do Ordinário assaz espantosa: porque affirmão verem
distincíamente muitas vezes as formas, que commungava, tintas, e como
])orrifadas de sangue. D^aqui lhe vinha hum tamanlio gosto d^aquelle di-
vino pasto, que o Confessor por suas grandes instancias, e obrigado do
que sabia de sua consciência lhe concedeo poder commungar cada dia,
cousa que ella estimou como singular favor do Ceo : e tanto que alcan-
çou a licença, nunca mais até morte perdeo o uso d'ella. E todas as ve-
zes, que chegava á sagrada mo«a, hia já tão absorta na consideração do
mysterio, e tão vencida do divino cheiro dos unguentos, e botica celes-
tial, que era necessário de propósito cspertal-a o Confessor, que cfa o
mesmo que lhe ministrava o Sacramento.
Este fogo Divino recebido na alma com os apparelhos, e premissas,
que temos dito, lh'a veio a purificar em tão alto gráo, que quasi nem
íiuma venialidade se achava nella. Da sua boca não sabia palavra ociosa,
nem suas orelhas sofrião ouvil-a, nem soíTria que ninguém diante d'ella
falasse senão de Deos: e por isso lhe era penosa a hora, que entendia
110 governo de sua casa, em que era força assistir: e até a seu Confes-
sor estranhava tratar-lhe de matéria, que não fosse do Ceo, ou de sua
consciência. A Igreja continuava todos os dias tendo saúde, porque to-
dos os dias commungava como fica dito. As pregações ouvia com gran-
de attenção, condenando por culpa grave o contrario, pois pola boca do
Pregador fala Deos com os homens. Á imitação de Santa Caterina de
Sena, Freira do mesmo habito, e terceira regra, tinha particular respeito.
e affeição a todos os Religiosos; e venerando n^elles a dignidade Sacer-
dotal, cbamava-lhes sepulcro de seu Senhor, e com todos os que se que-
(IJ Genes. 4.