Da Vida de São Domingos – Fr. Luís de

PARTICULAR DO REINO DE PORTUGAL 3^7
fieis; sovibe-s3 que levavâo os Mouros a terra onde cabia aquella humi-
dade que dissemos, pêra remédio de enfermidades com effeito tâo certo,
com tanta pi'essa, e em tanta quantidade, que em pouco tempo havia no
sitio huma grande concavidade aberta. Lança vão-na ao pescoço dos en-
fermos em suas nominas, até aos bois, e outros animaes, a que a apli-
cavão, dava saúde. E pode ser que isto foi causa pêra os que governa-
vão, mandarem recolher o corpo em hum caixão, onde esteve muitos
annos sobre o mesmo muro.
Passados alguns annos, forâo resgatados o Secretario do Infante João
Alvares, e seu Capellão Fero Vaz, e trouxerão comsigo as Relíquias que
salvarão no dia em que, como dissemos, foi aberto, e postas em hum
cofre entrarão com ellas em Santarém, onde se achava el-Rei dom Af-
fonso quinto seu sobrinho, por Janeiro do anno de 1451, o qual as man-
dou recolher com solenidade na sua sepultura d'este Convento. Mas não
quiz o Senhor que terra infiel, e enemiga comesse o corpo do seu San-
to, e ordenou que vinte annos despois de chegadas as primeiras Relí-
quias, tendo o mesmo Rei conquistado a villa de Arzilla em Africa, e ga-
nhado a cidade de Tangere, viesse inteiro a este Reino assi como estava
sobre os muros da Fez. Nos meios, e modos por que foi trazido ha va-
riedade entre os escritores, concordando todos na certeza da vinda. Che-
gando a Lisboa foi depositado no nosso mosteiro de Freiras do Salva-
dor, onde a Crónica del-Rei dom Affonso diz, que pregou o Prior de
S. Domingos da cidade, que era o Doutor Frei Afíbnso de Évora (i): e apon-
ta que fora o sermão tão devoto, que toda a festa, e solenidade se con-
vertera em lagrimas dos ouvintes. D'aqui foi passado com real pompa,
e acompanhamento de Prelados, e Fidalgos ao Convento da Batalha: on-
de os muitos milagres que entre Frades, e por toda aquella comarca
tem obrado sua intercessão, lhe grangearão tal fama, e devação, qne per-
dido o nome próprio não lie conhecido hoje, senão polo de Infante San-
to. E ponjue nossa natureza de sôfrega pêra o que estima, e ama, não
se contenta com menos que ver, e tocar: atreveo-se a curiosidade, ou a
devação a dar furo ao mármore do moimento, polo qual os devotos, e
necessitados tocão com huma vara os cofres de madeira em que estão
encerradas as santas Relíquias, e beijando-a devotamente satisfazem com
sua fé, c piadosa tenção.
(IJ Cron. d'ol-rei D. AíTuiiso v. por Zurara.