Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
PAllTICULA?. DO REINO DE PORTUGAL 243<br />
gonte pobre, e humil<strong>de</strong> mandavâo buscar estes tampãos pola cida<strong>de</strong> : o<br />
aponta a tradição, piie lhes chamava a hngoagem d^aquelle tempo man-<br />
talotes. Outras com santa constância mmca mais comerão carne. Muitas<br />
jejuavão todo anno inteiro: muitas gran<strong>de</strong> parte d'elle a pão, e agoa por<br />
intervalos. Outras havendo por mimosas as túnicas <strong>de</strong> estamenha, que<br />
são ordinárias na Or<strong>de</strong>m, usavão por toda a roda do anno <strong>de</strong> humas,<br />
que íazião <strong>de</strong> pano dos montes seco, e mor<strong>de</strong>nte como saco, alem <strong>de</strong><br />
outros géneros <strong>de</strong> cilícios. E castigada a carne por este modo, e culti-<br />
vada, e curtida assi aquella terra viva, não fica <strong>de</strong> espantar a gran<strong>de</strong><br />
abundância <strong>de</strong> flores, e fruitos, que nos espíritos criava.<br />
<strong>Da</strong> Madre Anna da Conceição se conta, que a maio» parte das noi-<br />
tes passava em oração alternada com disciplinas <strong>de</strong> sangue tão <strong>de</strong>spieda-<br />
das, que dava sinal d'ellas o chão, on<strong>de</strong> as tomava. E com trazer <strong>de</strong><br />
continuo cingido, e apertado hum largo cihcio <strong>de</strong> sedas <strong>de</strong> cavallo, quan-<br />
do se hia ao leito pêra satisfazer á fraqueza natural com hum pouco <strong>de</strong><br />
sono, achava n'eUe huma manta <strong>de</strong> tal feitio, que era ouiro cilicio, por-<br />
que não parecia menos, que composta <strong>de</strong> tojos, e abrolhos : e por ma-<br />
ravilha se guarda, e mostra ainda hoje : e só á força <strong>de</strong> muita necessi-<br />
da<strong>de</strong>, e gran<strong>de</strong> falta <strong>de</strong> sono podia grangear repouso a quem n'eUa se<br />
envolvia sobre huma taboa. E com tudo porque se veja com quanto po<strong>de</strong><br />
a natureza sujeita, e bem acostumada, viveo assi muitos annos. No<br />
cabo d'elles mostrou Deos áquella santa Communida<strong>de</strong>. hum juizo final<br />
temeroso, e muito digno <strong>de</strong> ser notado com todas as potencias da alma,<br />
principalmente dos que vivem com qualquer <strong>de</strong>scuido d'ella. Estava já<br />
mui consumida da doença, e quasi acabando : eis que huma tar<strong>de</strong> come-<br />
ça subitamente a entrar em gran<strong>de</strong> inquietação, e afadigar-se muito fora<br />
do ordinário, e a espaços tremia, e fazia gran<strong>de</strong>s sinaes <strong>de</strong> medos, e ora<br />
falava, ora esperava como quem escutava pêra dar resposta. Aco<strong>de</strong>m as<br />
Religiosas, cuidão que he acci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> acabar, e dando-lhe attenção en-<br />
ten<strong>de</strong>rão claramente, que estava o <strong>de</strong>mónio á vista feito accusador <strong>de</strong> huma<br />
parte, e ella accusada como rea da outra. E inferia-se, que era acu-<br />
sada <strong>de</strong> culpas da mocida<strong>de</strong>, e <strong>de</strong>scuidos da observância : porque liu-<br />
mas vezes respondia em voz alta dizendo: Si, he verda<strong>de</strong>, que eu fiz<br />
isso: mas <strong>de</strong>spois fiz tal, e tal penitencia, e hia apontando cada huma<br />
por si. A outras cousas respondia: Já me confessei muitas vezes d'essa<br />
culpa. E <strong>de</strong> huma vez acodio dizendo distintamente : Em<br />
penitencia dis-<br />
so <strong>de</strong>ci do Coro <strong>de</strong> cima <strong>de</strong>scalça <strong>de</strong> madrugada, e ajuntava quantas ve-