Da Vida de São Domingos – Fr. Luís de

I'ARTICULAR DO REINO DK PORTUGAL 310
onde os íizerão descalçar, e assentar no chão. D'aqui foifio passados a
Imma torre, e recolhidos em hunia casa alta, na qual os emparedarão
de maneira, que sem candeia se nâo podiao ver hims a outros: porque
de pedra, e cal lhe taparão janelias, e frestas, e sobre tal reclusão
havia gente de guarda que os vigiava. N'esla casa passou o Infante qua-
tro mezes consolando-se com Deos, porque tinha dentro hum capellão,
e Missa todos os dias, e confessava-se, e commungava a miúdo. Rezava
suas iioras Canónicas, que nunca deixou em quanto teve forças, e ajuntava
mortificações, e penitencias voluntárias á violenta, e forçada em
que vivia: com que animava grandemente os seus, vendo hum corpo en-
fermo, e delicado poder com tanto. No cabo d'este tempo entrou o Al-
caide na casa, e mandou-os carregar de ferros a duas bragas mui gros-
sas por cada hum: e logo lançal-os fora, c leval-os â horta del-Uei, dan-
do-lhes enxadas pêra trabalharem. Foi o Infante o derradeiro nos ferros,
c em quanto Ih'os lançavão derão-lhe os Mouros no pobre fatinho, sa-
quearão, e levarão tudo: e arrastando as bragas, foi guiado á estrebaria
del-Rei. Aqui o esperava o Alcaide Lazarac, que era quem mandava tudo
na terra: e vendo-o disse-lhe, que pois os Christãos faltavão na palavra
como trédores em não tornarem Ceita, soubesse que era seu cativo : o
como a lai lhe mandava curasse daquelles cavallos. O Infante respon-
deo gravemente com estas palavras: Os Christãos nunca fizerão treição,
nem cabe n^elles tal nome: o que mandas fíirei, porque estando em teu
poder, não perco n'isso honra, nem o servir me he vergonha; tu a deveras
ter de tratar tão vilmente quem sabes que he íilho de Rei. Logo
lhe meterão na mão huma vassoura, e outros instiumentos de estreba-
ria: e o Santo com muito socego, e humildade começou a entender no
ofíicio. varrendo as immundicias, e alimpando os cavallos. Sobre tarde
foi tornado á casa d'onde sahira, na qual achou novo género de tormento:
soube que erão lançados na cova da masmorra seus companheiros, e n'el-
la bem fechados. Entendeo que era quererem-no, como succedeo, apar-
tar d'elles polo molestarem: causou-lhe o apartamento grande pena; e
ainda que de noite a aliviou algum tanto lalando-lhes de fora, derão-lh'a
os guardas no dia seguinte dobrada: porque o fizerão passar em ama-
nhecendo a outro aposento, pcra que não visse os companheiros quando
sahissem a trabalhar. Isto angustiou tanto ao Santo Infante, que lhe cau-
sou hum forte accidente, e tal, que os guardas dando-o por morto forão
coi*renclo dar aviso a Lazarac. Bem conhcceo o Mouro d'onde lhe nacia