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76 LIVRO IV DA HISTORIA DE S. DOMINfiOS<br />
das, e trazendo muitos bons sogeitos ao habito. As terras que mais <strong>de</strong><br />
assento tratou forão Astúrias, Galiza, e as terras <strong>de</strong> entre Douro, e Mi-<br />
nho, e Portugal. A or<strong>de</strong>m com que procedia era : na casa em que se<br />
achava a comer, ou dormir, mover praticas da virtu<strong>de</strong>, dos enganos<br />
do diabo, o do peccado, representar o rigor do dia do juizo, e as penas<br />
dos con<strong>de</strong>mnados : como via temor, o compunção (porque obrigava muito<br />
com a vehemencia que tinha nas palavras) passava ao amor <strong>de</strong> Deos, á<br />
sua misericórdia, e bonda<strong>de</strong> pêra com peccadores arrependidos: e com-<br />
municando-lhe o mesmo Senhor sua graça, e espirito abrandava peitos<br />
<strong>de</strong> ferro. Em fim o ordinário era nâo sahir da casa sem <strong>de</strong>ixar todos os<br />
moradores confessados, <strong>de</strong>sd*o amo até o mais vil criado. O mesmo pro-<br />
curava nas estalagens com hospe<strong>de</strong>s, e passageiros: e ainda que fosse<br />
<strong>de</strong> passagem nâo largava a estancia sem tirar algum ganho pêra Deos:<br />
6 se havia doentes que quizessem confissão, a qualquer hora que se lhe<br />
dava recado <strong>de</strong>ixava a pregação, reza, comida, sono, e repouso por lhes<br />
acudir com mais diligencia que se fora seu parocho. Ajudava o Senhor<br />
este santo zelo com famosos milagres.<br />
Pregava hum dia junto <strong>de</strong> Bayona <strong>de</strong> Galiza, e era no campo, por<br />
ser a gente muita : começou subitamente a toldar-se o Ceo <strong>de</strong> nuvens<br />
grossas, e negras, seguirão trovões, e relamjtagos, sinais manifestos <strong>de</strong><br />
chuva, e tempesta<strong>de</strong>. Inquietou-se o auditório, ievantarão-se alguns. Pa-<br />
rou o pregador com o que hia dizendo, e pedio-lhes que se não alterassem<br />
polo que vião, porque lhes aíTirmava que o Senhor a que o Ceo, e<br />
terra, e a fúria dos ventos obe<strong>de</strong>cião, tornaria aquellas carrancas em<br />
aprazível bonança, e não terião gota dagoa. Logo esten<strong>de</strong>o o braço con-<br />
tra a parte d'on<strong>de</strong> mais afuzilava, e vinhão correndo as nuvens: e assi<br />
como o levantou, se dividirão a huma, e outra parte: e <strong>de</strong>ixando em<br />
meio o Ceo claro e sereno, forão engrossando pêra os lados e á vista<br />
se começarão a <strong>de</strong>sfazer em agoa, e pedra, esbombar<strong>de</strong>ando trovões, e<br />
raios, que como erão ao longe ficarão servindo <strong>de</strong> espectáculo, e <strong>de</strong> huma<br />
alegre salva, e matéria <strong>de</strong> louvar a Deos em seu Santo.<br />
Foi este milagre mui falado : e <strong>de</strong> andar muito na boca dos homens<br />
d'aquelles portos <strong>de</strong> mar, <strong>de</strong>via ter origem e principio o encomendarem-<br />
se a S. Pêro Gonçalves os mareantes quando se achão apertados <strong>de</strong> tor-<br />
mentas : nas quais são notáveis, e sem numero as maravilhas que obrão<br />
seus merecimentos em favor dos que o buscão. Mas seguirão logo outros<br />
muitos, que acreditarão este. E a fama da santa vida que fazia, e o que