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Da Vida de São Domingos – Fr. Luís de

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PARTICULAR DO REINO DE PORTUGAL 191<br />

A sua pitaiiça da mesa lhe levavâo sempre presos da ca<strong>de</strong>ia publica, que<br />

tomava á sua conta pêra os manter, ou outros pobres. Eis-aqui como se<br />

alternava a abstinência com a cliarida<strong>de</strong>, on como huma virtu<strong>de</strong> era origem<br />

da outra. Mas pois tratamos da cliarida<strong>de</strong>, que usava com os neces-<br />

sitados das portas afora, não <strong>de</strong>ixemos pêra mais longe a que das por-<br />

tas a<strong>de</strong>ntro exercitava. Toda sua vida costumou servir as enfermas,<br />

alimpar-lhes os leitos, hir, e vir á cozinha polo jantar, e cea <strong>de</strong> cada huma<br />

com tanta diligencia, que ainda <strong>de</strong>spois <strong>de</strong> velha competia com as<br />

mais piadosas servidoi'as. E pêra que abramos os olhos, consi<strong>de</strong>rando<br />

com espanto os juizos <strong>de</strong> Deos, sendo as obras <strong>de</strong> charida<strong>de</strong> tão estima-<br />

das d'elle, que <strong>de</strong> sua boca nos alfirma aceitar por feitas em serviço<br />

i^eu, as que por qualquer necessitado fizermos ; no mesmo exercido acon-<br />

tecerão á sahta velha dous casos, hum dos quaes lhe custou per<strong>de</strong>r huma<br />

mão, e o outro a vida, e passarão assi. Indo <strong>de</strong>pressa acodir a huma<br />

enferma com certa cousa, que na mão levava, ou se ferio n'ella, ou<br />

se queimou (o certo não consta) <strong>de</strong> tal sorte, que a poucos dias lhe sal-<br />

tarão herpes, e posta em cura ficou com vida, mas porque foi necessalio<br />

sarjar-lhe a mão licou aleijada : e com tudo nada escarmentada, nem<br />

menos solicita nos oíficios <strong>de</strong> pieda<strong>de</strong>. Era polo mez <strong>de</strong> Agosto, e em<br />

dia <strong>de</strong> nosso Padre, e casa revolta, e toda occupada em festejar o Santo.<br />

Então lie o tempo em que j)a<strong>de</strong>cem os enfermos, porque festas gran<strong>de</strong>s<br />

são só pêra os sãos, e todos se querem achar n'ellas. Erão horas do<br />

jantar, e passava <strong>de</strong> horas ; vio a santa velha, que não havia quem se<br />

lembrasse <strong>de</strong> huma pobre doente, fraca, e necessitada ; não se quiz va-<br />

ler do privilegio da festa, nem da ida<strong>de</strong> que já então era quasi <strong>de</strong>cré-<br />

pita, nem <strong>de</strong>sculpar-se com o perigo do Sol <strong>de</strong> Agosto, havendo <strong>de</strong> fa-<br />

zer o caminho pêra a cozinha por lugar <strong>de</strong>scoberto a elle ; foi correndo,<br />

chamou, baleo, porque a achou fechada. Havia <strong>de</strong>ntro tanto em que en-<br />

ten<strong>de</strong>r, que ou não foi ouvida, ou a não quiserão ouvir. Fazia-lhe guer-<br />

ra pêra que se tornasse o ardor da calma, que sem reparo alli fervia,<br />

mas era maior o que se sentia <strong>de</strong> charida<strong>de</strong> em suas entranhas; bater,<br />

e gritar parecia-lhe género <strong>de</strong> impaciência, e importunação, sendo seu<br />

costume sofrer tudo, e a todas, não ser pesada, nem dar escândalo a<br />

ninguém. Escolheo por menos mal o que era mais em dano seu, que<br />

íoi esperar, e sofrer o Sol ; mas dalli trouxe logo huma sezão ; e segun-<br />

darão outras, que a levarão em poucos dias. Assi foi martyr da charida-<br />

<strong>de</strong>, e juntamente da paciência, e mansidão : pois com huma pequena

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