Da Vida de São Domingos – Fr. Luís de

itO LIVRO V DA HISTORIA DE S. DOMINGOS
Costuma a facilitar as cousas, a continuação cVellas. Nos caminhos de
Deos faz maiores elTeitos, porque não só facilita, mas torna tudo suave.
Greda Frei Pedro nos exercidos santos, e juntamente em andar conten-
te, e alegre. Era publico entre os Frades este seu género de vida, mas
pasmavâo, e não podião entender como se compadecia com eile a boa
sombra de gesto, e palavras que a todo tempo lhe vião. A outros huma'
noite mal dormida em cella fechada, entre boas mantas, e sobre boa cama
trazia o dia todo carregados, e desabridos, e as cores perdidas : elle
passando-as todas, e inteiras sobre as lageas em imma Igreja mal repa-
rada do vento, e do frio, e do sereno, e quasi sem dormir bocado, e
sempre vestido, nunca amanhecia triste, nunca infiado : e o que mais he
(redundando como he de crer no corpo os gozos do espirito) nunca lhe
faltava a sua cor natural no rosto, que era huma alvura rosada. E esta
conservou como por dom divino até na ultima idade, de sorte que mui-
ta gente se enganava com elle, julgando-o por muito mais moço do que
na verdade era. Assi foi ganhando reputação entre os Religiosos, e por
ella lhe encomendou o Prior o cuidado da portaria ; no qual se gover-
nou com muito siso, e madureza, e sobre tudo com huma entranhavel
charidade pêra com os pobres, assi no repartir das esmolas que ficavão
da mesa da Gommunidade, como em lhes procurar outras, negoceando
por seu meio na cosinha panela particular, com que podesse acodir com
Gousa mais sazoada aos velhos, e doentes. Isto fazia com tanto gosto, e
fervor como se em cada hum d'aquelles desemparados do mundo vira
a mesma pessoa do bom Jesu. Assi era chamado pola terra o servidor
dos pobres ; e huma dona prindpai da villa, cujo nome era Dona Cate-
rina, mandou por seu respeito pintar as paredes do alpendre da porta-
ria, e a pintura continha aquelles banquetes, que Frei Pedro fazia aos
pobres ; ali estavão representados em fileiras, como elle os ordenava,
cada hum com os sinaes de sua miséria, aleijão, ou doença ; e o portei-
ro entre elles com o escapulário preso no cinto, repartindo-lhes a comi-
da com rosto alegre, grave, e honesto, qual era o seu a toda hora, e
n aquella muito mais.
Mas esta occupação do dia não lhe diminuía nada da sua costumada*
das noites, em que seu espirito achava outras delicias de grande sabor.
Trabalhava polo desviar d'ellas o enimigo commuin, envejoso de nosso
bem, ora com medos, ora coin fortes tentações, e despois com lhe apa-
recer visivelmente. Porém o bom soldado seguia sua carreira com os