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cronistas leigos, cronistas religiosos ea antropafagia

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tempo. Ele diz ainda que achava que havia imensas riquezas, pedras preciosas e especiarias. O almirante<br />

presumia que ali havia bons rios e muito ouro. Ás vezes, a afirmação desta convicção mistura-se,<br />

ingenuamente, com uma confissão de ignorância: acha que as terras são ricas, pois deseja ardentemente,<br />

que o sejam; sua convicção é sempre anterior à experiência” 14 .<br />

Essa interpretação em prol do que se quer ver é resultado do desejo e da imaginação<br />

humana, pois “quando um homem deseja muito algo e se agarra firmemente a isso em sua<br />

imaginação, tem a impressão, a todo momento, de que tudo aquilo que ouve e vê testemunha a<br />

favor dessa coisa” 15 . Contudo, esse tipo de interpretação tem suas conseqüências, pois a<br />

r<strong>ea</strong>lidade que se apresenta para a análise é distorcida e corrompida pela ânsia do que se quer<br />

encontrar. Desse modo, podemos dizer que Colombo não descobriu a América, mas a<br />

encontrou onde sabia que estaria, ou pensava que estava: a costa oriental da Ásia 16 .<br />

A descoberta de um Novo Mundo, ainda por cima, habitado por seres humanos, se<br />

configura no encontro mais surpreendente que já ocorreu em nossa história, pois o sentimento<br />

de estranheza que ele produziu “não esteve presente na descoberta de outros continentes e de<br />

outros homens, pois os europeus nunca ignoraram a existência da África, da Índia ou da<br />

China, como fizeram até o final do século XV com o continente americano” 17 . Esse encontro<br />

entre civilizações que se desconheciam mutuamente nunca mais atingirá tal intensidade<br />

(choque cultural), pois nesse encontro do Velho com o Novo Mundo “os homens descobriram<br />

a totalidade de que faziam parte. Até então formavam uma parte sem um todo” 18 . Ou seja, o<br />

impacto desse encontro provocou/suscitou na cultura européia, ao mesmo tempo, uma série de<br />

indagações (questionamentos) e uma perplexidade que inicialmente se centra no<br />

maravilhoso 19 – experiência de uma surpresa atordoante 20 – do novo ou desconhecido<br />

(estranho), que colocou em xeque as crenças européias sobre a humanidade e sobre o mundo<br />

no qual viviam e pensavam conhecer. Sendo que este maravilhoso se constituiu:<br />

“(…) traço central no complexo sistema de representação como um todo, seja ele verbal ou visual,<br />

filosófico ou estético, intelectual ou emocional, através do qual as pessoas da Idade Média tardia e da<br />

Renascença apreendiam, e, portanto possuíam ou descartavam; o não familiar, o estranho, o terrível, o<br />

14<br />

TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: A questão do outro. 3ª. edição brasileira. Tradução: B<strong>ea</strong>triz<br />

Perrone Moisés. São Paulo: Martins Fontes, 1991, p. 21.<br />

15<br />

Ibid., p. 22.<br />

16<br />

Ibid., p. 22-23.<br />

17<br />

Ibid., p. 5.<br />

18<br />

Ibid., p. 6.<br />

19<br />

Podemos definir o maravilhoso como expressão de um critério de diferenciação cultural entre valores de<br />

referência propícios a instaurar uma comunicação entre o autor, seu público e as prerrogativas de um mundo<br />

disforme. E a maravilha se desencadeia pelo ingresso, em um contexto habitual, de uma estranheza mais ou<br />

menos acentuada, que reconduz a um outro lugar quase sempre identificado a paises longínquos, aos quais, um<br />

fascínio irresistível atribui valor nostálgico de um bem perdido que deve ser recuperado. LANCIANI, Giulia. O<br />

Maravilhoso como Critério de Diferenciação entre Sistemas Culturais. Revista Brasileira de Historia: América<br />

Américas. São Paulo: ANPUH/CNPq, v. 11, n° 21, p. 21-26, set.90/fev.91, p. 22.<br />

20<br />

GREENBLATT, Stephen. Op. cit., p. 134.<br />

7

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