20.04.2013 Views

cronistas leigos, cronistas religiosos ea antropafagia

cronistas leigos, cronistas religiosos ea antropafagia

cronistas leigos, cronistas religiosos ea antropafagia

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

constituía a sua volta à vida normal. Era o rito da incorporação. O matador já não era mais o mesmo; era<br />

considerado adulto e podia contrair matrimonio” 61 .<br />

Com relação às guerras indígenas, Montaigne em seu ensaio “Dos Canibais” 62 aponta<br />

para a racionalidade superior das guerras “canibais”, que acabam em banquete, quando<br />

comparadas às guerras européias, que só produzem destruição e carniça. 63 Luiz Koshiba diz<br />

que as guerras indígenas não visavam nem a dominação, nem a exploração, e, por fim, nem a<br />

aniquilação do inimigo. Elas se faziam simplesmente para efetivar a vingança dos<br />

antepassados mortos pelos inimigos 64 . Quanto à visão de vingança(s) dos antepassados,<br />

Manuela Carneiro da Cunha e Eduardo Viveiros de Castro dizem que “a vingança é um elo<br />

entre o que foi e o que será, os mortos do passado e os mortos por vir ou, o que dá no mesmo,<br />

os vivos pretéritos e os vivos futuros” 65 . Américo Vespúcio questiona a racionalidade das<br />

guerras dos indígenas e a explica da seguinte forma:<br />

“O que mais me maravilhou nessas suas guerras e crueldade é que não pude saber deles por que fazem<br />

guerra uns aos outros, pois não têm bens próprios nem domínio de impérios ou reinos, nem sabem que<br />

coisa seja cobiça, isto é, riquezas ou cupidez de reinar, o que me parece ser a causa das guerras ou de<br />

todo ato desordenado. Quando lhes pedimos que dissessem a causa, não sabiam dar outra razão, salvo<br />

que dizem que há muito tempo começou entre eles essa maldição e querem vingar a morte de seus pais<br />

antepassados. Em conclusão, é coisa bestial. Certo é que um homem deles me confessou ter comido a<br />

carne de mais de duzentos corpos; e tenho isso por certo, e basta” 66 .<br />

Desse modo, a guerra se constitui num dos pilares da organização social das tribos<br />

indígenas – principalmente as que praticavam o ritual antropofágico – sendo movida<br />

(vivenciada) por causas (vinganças) passadas e futuras, o que a torna numa continuidade que<br />

orienta (situa) a tribo indígena no tempo e no espaço. Podemos constatar isso no diálogo que é<br />

travado entre o executor e a vítima, pois o primeiro se referencia a vinganças passadas e o<br />

segundo reporta-se a vinganças futuras, ou seja, a uma continuidade dos conflitos bélicos<br />

entre as tribos inimigas. Sobre a importância que a guerra tem para os indígenas, temos a<br />

afirmativa de um cacique tabajara:<br />

“Se quisesse comer os inimigos, não ficaria um só, porém conservei-os para satisfazer minha vontade,<br />

uns após outros, entreter meu apetite, e exercitar diariamente minha gente na guerra; e de que serviria<br />

61<br />

MELATTI, Julio César. Op. cit., p. 124.<br />

62<br />

Montaigne não promoveu uma reificação do estado de barbárie. Antes, a antropofagia serviu de mote para uma<br />

dura crítica a sociedade européia e as atrocidades cometidas durante as guerras religiosas. RAMINELLI, Ronald.<br />

Imagens da colonização… Op. cit., p. 38.<br />

63<br />

MONTAIGNE, Michel de. Dos Canibais. In: Ensaios. Volume 1. Tradução de Sérgio Milliet. São Paulo:<br />

Nova Cultural, 2000, p. 199-200.<br />

64<br />

KOSHIBA, Luiz. A honra e a cobiça. Tese de doutoramento inédita apresentada no Departamento de História<br />

da FFLCH-USP, São Paulo, 1988, 2 vol., p. 55 apud KOK, Maria da Glória. Op. cit., p.18.<br />

65<br />

CUNHA, Manuela Carneiro da. & CASTRO, Eduardo Viveiros de. Op. cit., p. 70.<br />

66 VESPÚCIO, Américo. Op. cit., p. 188.<br />

39

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!