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cronistas leigos, cronistas religiosos ea antropafagia

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trabalho e as superstições ganharam conotação estranha à tradição indígena, receberam uma nova<br />

racionalidade” 46 .<br />

Ou seja, o índio perdeu a sua identidade própria em prol de uma cunhada pelo<br />

europeu 47 – o que logicamente distorceu a lógica dos ritos e dos mitos indígenas – pois os<br />

antropófagos, ou como os europeus os denominavam: canibais, não eram tantos como queria a<br />

propaganda colonial, mas existiam, mal que pese à propaganda anti-colonial. Nem sempre é<br />

fácil saber quem era o canibal: rumores que o multiplicassem eram sempre ouvidos de bom<br />

grado pelos conquistadores, porque justificavam a guerra justa e conseqüentemente a<br />

escravidão indígena. Via de regra, canibal era o vizinho, o inimigo virtual ou atual, ou seja,<br />

nunca eram antropófagas as tribos aliadas ou que se estava descrevendo, mas as tribos<br />

inimigas destas eram quase sempre vistas como antropófagas, como vemos no relato do Frei<br />

capuchinho francês Yvers d’Evreux:<br />

“O prisioneiro, por maior que tivesse sido entre os seus se reconhece escravo e vencido, acompanha o<br />

vencedor, serve-o finalmente sem que seu senhor ande vigiando-o, tendo liberdade para andar por onde<br />

quiser, fazendo o que for de sua vontade, e de ordinário casa-se com a filha ou a irmã do seu senhor e<br />

assim vive até o dia em que deve ser morto e comido, o que não se prática mais em Maranhão,<br />

Tapuitapera e em Cumã, e só raras vezes em Caité” 48 .<br />

Um dos relatos mais conhecidos que nos traz a descrição da prática antropofágica é o<br />

do Padre Antonio Ruiz de Montoya (jesuíta espanhol), na obra escrita entre 1638-1639, “A<br />

Conquista Espiritual”, que diz respeito aos índios guarani:<br />

“(…) ao cativo colhido em guerra engordam-no, dando-lhe liberdade quanto à comida e mulheres, que<br />

escolhe a seu gosto. Já estando gordo, matam-no com muita solenidade. Todos tocam com a mão neste<br />

corpo morto ou, dando-lhe alguma batida com um pau, dá-se cada a si o seu nome. Pela comarca<br />

repartem as porções deste corpo. Cada pedaço vem a cozinhar-se em muita água. Fazem disso uma papa<br />

ou mingau. As mulheres dão a seus filhinhos dessa massa, e com isso lhe põe o nome. Trata-se de uma<br />

festa muito especial para os guaranis, que eles fazem com muita cerimônia” 49 .<br />

Nota-se que o prisioneiro, desempenhava um papel primordial nas relações inter-<br />

aldeias devendo ser exibido nas povoações vizinhas (aliadas). Era visto, desde a sua captura<br />

até a sua morte, como responsável pela morte de parentes queridos 50 . Geralmente as tabas<br />

aliadas eram convidadas a participar do ritual antropofágico, transformando-o numa<br />

manifestação coletiva, que ao mesmo tempo consolidava as alianças e perpetuava a vingança.<br />

Entre os antigos tupinambás, o prisioneiro de guerra era propriedade daquele que o tinha<br />

46<br />

RAMINELLI, Ronald. Op. cit., p. 163. Grifos do autor.<br />

47<br />

Ibid., p. 164.<br />

48<br />

CARNEIRO, J. Fernando. Op. cit., p. 46. Grifos do autor.<br />

49<br />

MARTINS, Maria Cristina Bohn. A antropofagia e os guaranis. Estudos Leopoldenses, São Leopoldo, v. 24,<br />

n. 104, p. 43-52, jun./jul.1998, p. 45-46.<br />

50 GIUCCI, Guillermo. Op. cit., p. 222.<br />

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