20.04.2013 Views

cronistas leigos, cronistas religiosos ea antropafagia

cronistas leigos, cronistas religiosos ea antropafagia

cronistas leigos, cronistas religiosos ea antropafagia

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

organizados, com os cortes selecionados expostos à venda. Uma gravura pouco conhecida de<br />

Hans Holbein, que ilustra o Mapa Mundi: Novus Orbis Regionum, chega a representar um<br />

atarefado canibal carregando (para o mercado?) um bom número de peças a lombo de mula! 35 .<br />

Sobre as representações dos indígenas (de suas sociedades) e de seus costumes, vê-se<br />

que eles foram apresentados para a sociedade européia de duas formas/maneiras. Uma delas<br />

corresponde às representações iconográficas e a outra as representações mentais contidas nos<br />

relatos dos viajantes, sendo estas as que vou analisar nesse trabalho. Contudo essas duas<br />

formas de representações apresentam diferenças, principalmente quando se trata da<br />

representação da prática antropofágica. Enquanto nos relatos (representações mentais), o<br />

papel da mulher no repasto canibal é secundário, cabendo aos guerreiros protagonizar a morte<br />

do prisioneiro – “(…) não há menção a morte de um inimigo levado a cabo por uma<br />

mulher” 36 . “Os relatos quinhentistas e seiscentistas restringem bastante o papel desempenhado<br />

pelo grupo feminino na ingestão da carne humana” 37 –, o contrário se sucede nas<br />

representações iconográficas, onde a mulher ganha centralidade nestes atos, ou seja, ocorre<br />

uma supervalorização do papel da mulher no sacrifício dos prisioneiros, o que denota uma<br />

“veiculação de dados ausentes nos textos [dos <strong>cronistas</strong>]” 38 . Tais representações difundiram<br />

estereótipos de barbarismo – “Bárbaro é quem devora os inimigos, não quem deseja riquezas,<br />

invade terras, assassina ou tortura para enriquecer; idolatra é quem confia no poder oracular<br />

de ídolos de madeira, não quem reza diante da cruz cristã” 39 –, não raro imputando-lhes<br />

características demoníacas. Ou seja, a visão que os europeus tiveram do “canibalismo” foi<br />

quase sempre um pouco crassa: opção gastronômica ou alimentícia indigna de um homem<br />

civilizado e cristão – “(…) as cozinhas canibais da América já se encontram num portulano<br />

português de 1502” 40 .<br />

“O índio representado na iconografia européia é o índio bárbaro, selvagem, antropófago, incapaz por<br />

todos esses atributos, de gerir a própria vida, e justificando, sem maiores problemas, a dominação<br />

européia – tanto a econômica e política quanto a espiritual, viabilizada pela catequese” 41 .<br />

35<br />

RAMINELLI, Ronald. Op. cit., 64-65. O mapa se encontra entre as paginas 64 e 65, fig. 3.<br />

36<br />

RAMINELLI, Ronald. Eva Tupinambá. In: PRIORE, Mary Del. (Org.). História das Mulheres no Brasil. 5ª.<br />

ed. São Paulo: Unesp/Contexto, 2001, p. 11-44, p. 29.<br />

37<br />

RAMINELLI, Ronald. Imagens da colonização… Op. cit., p. 101.<br />

38<br />

RAMINELLI, Ronald. Eva Tupinambá… Op. cit., p. 34.<br />

39<br />

GIUCCI, Guillermo. Viajantes do maravilhoso: o Novo Mundo. Tradução de Josely Vianna Batista. São<br />

Paulo: Cia. das Letras, 1992, p. 231.<br />

40<br />

LESTRINGANT, Frank. O Canibal: Grandeza e Decadência. Tradução: Mary Lucy Murray Del Priore.<br />

Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997, p. 44.<br />

41<br />

RAMINELLI, Ronald. Imagens da colonização… Op. cit., p. 9.<br />

34

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!