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cronistas leigos, cronistas religiosos ea antropafagia

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matá-los todos de uma só vez se não havia quem os comesse? Além disso, não tendo minha gente com<br />

quem se bater, se desuniriam e separar-se-iam (…)” 67 .<br />

A par disso, podemos entender que para a mentalidade européia da época, afeita a<br />

promover suas guerras por interesses políticos e expansionistas (conquista de terras, bens e<br />

povos), para fins imediatos de enriquecimento, as guerras indígenas eram totalmente<br />

destituídas de sentido, pois o que motivava as guerras era o motivo de vingança dos<br />

antepassados mortos pelo inimigo. Para tal fim organizavam-se incursões guerreiras que<br />

mobilizavam grande contingente de homens, cujo resultado, muitas vezes, era a captura de um<br />

único prisioneiro, que seria ritualmente morto e comido pela tribo.<br />

Em relação às expedições guerreiras, tem-se que elas eram conduzidas por um chefe e<br />

que percorriam grandes distâncias até chegarem ao território inimigo. Nessas, segundo a<br />

descrição de Thevet, “os prisioneiros de guerra que não podiam ser conduzidos à aldeia<br />

tinham seus braços e pernas cortados e, se houvesse tempo antes de recomeçar o combate,<br />

eram devorados ali mesmo” 68 . Quanto aos inimigos capturados com vida, estes eram trazidos<br />

à aldeia dos vitoriosos e ali eram ornados, com o intuito de serem mostrados como troféus nas<br />

aldeias por onde desfilassem. O padre jesuíta Fernão Cardim, presenciou um desses cortejos e<br />

assim o descreveu:<br />

“(…) os que tomados na guerra vivos são destinados a matar, vêm logo de lá com um sinal, que é uma<br />

cordinha delgada no pescoço, e se é homem que pode fugir traz uma mão atada ao pescoço debaixo da<br />

barba, e antes de entrar nas povoações que há pelo caminho os enfeitam, depenando-lhes as pestanas e<br />

sobrancelhas e barbas, tosquiando-os ao seu modo, e empenando-os com penas amarelas tão bem<br />

assentadas que lhes não aparece cabelo e as quais os fazem tão lustrosos como aos Espanhóis os seus<br />

vestidos ricos, e assim vão mostrando sua vitória por onde passam” 69 .<br />

Os prisioneiros mais velhos, segundo o capuchinho francês Claude D’Abbeville,<br />

tinham uma vida mais curta, pois “comem-no antes que emagreça” 70 . Já os jovens podiam<br />

viver de quinze a vinte anos no cativeiro antes de serem mortos ritualmente. Durante esse<br />

período que permaneciam na tribo inimiga, eram bem tratados e viviam soltos e pouco<br />

vigiados, pois se caso o prisioneiro tentasse fugir, ele seria considerado um “cuave eim”, ou<br />

seja, um covarde, que envergonharia por esse feito a sua tribo, além disso, existia uma razão<br />

67 D’EVREUX, Padre Ives. Viagem ao norte do Brasil, feita nos anos de 1613 e 1614. Maranhão: Tip. de<br />

Frias, 1874, p. 35 apud ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Op. cit., p. 52.<br />

68 THEVET, André. As singularidades da França Antártica. Tradução de Eugenio Amado. Belo<br />

Horizonte/São Paulo: Itatiaia/EDUSP, 1978, p. 118 apud KOK, Maria da Glória. Op. cit., p. 20.<br />

69 CARDIM, Fernão. Tratado da terra e gente do Brasil. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/EDUSP, 1980, p.<br />

181-182 apud KOK, Maria da Glória. Op. cit., p. 21.<br />

70 D’ABEVILLE, Claude. História da missão dos padres capuchinhos na ilha do Maranhão e terras<br />

circunvizinhas. Tradução de Sérgio Millet. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/EDUSP, 1975, p. 230 apud KOK,<br />

Maria da Glória. Op. cit., p. 22.<br />

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