Representações do sujeito feminino em O Despertar e Riacho Doce ...
Representações do sujeito feminino em O Despertar e Riacho Doce ...
Representações do sujeito feminino em O Despertar e Riacho Doce ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
<strong>Representações</strong> <strong>do</strong> <strong>sujeito</strong> <strong>f<strong>em</strong>inino</strong> <strong>em</strong> O <strong>Despertar</strong> e <strong>Riacho</strong> <strong>Doce</strong>: um estu<strong>do</strong> comparativo<br />
____________________________________________________________________<br />
liga são mais uma confirmação de seu apagamento como indivíduo <strong>do</strong> que uma tentativa<br />
para se estabelecer como <strong>sujeito</strong> de vontade. A música, o borda<strong>do</strong> e a costura são<br />
transforma<strong>do</strong>s <strong>em</strong> ações e deveres da Mulher-Mãe. Já d<strong>em</strong>onstramos como sua atividade<br />
com a costura e o borda<strong>do</strong> é intimamente relacionada com a <strong>do</strong>mesticidade da<br />
personag<strong>em</strong>, quan<strong>do</strong> ela prepara roupas de inverno para os filhos ou quan<strong>do</strong> se destaca<br />
no manuseio <strong>do</strong>s equipamentos de costura. Vejamos como analogamente acontece com a<br />
música. Ao falar sobre sua ligação com a música, Adèle deixa claro que se liga a esta arte,<br />
não por paixão, mas porque ela é mais uma ferramenta utilizada para manter a harmonia<br />
<strong>do</strong> lar. Nas palavras <strong>do</strong> narra<strong>do</strong>r, via discurso indireto-livre, entend<strong>em</strong>os o mo<strong>do</strong> como a<br />
música se faz presente na vida desta personag<strong>em</strong>: “[Adèle] Estava manten<strong>do</strong> sua destreza<br />
musical <strong>em</strong> benefício das crianças, [...] pois ela e o mari<strong>do</strong> achavam que esta era uma<br />
maneira de abrilhantar o lar e torná-lo cativante” 95 (CHOPIN, 1994, p. 39). A<br />
funcionalidade da atividade musical para Adèle, <strong>em</strong> vez de causar conflito com seus<br />
deveres de mãe, reforça o estereótipo de mulher cria<strong>do</strong> para ela. Nas palavras de Elaine<br />
Showalter, “a arte f<strong>em</strong>inina, como Adèle a apresenta, é social, agradável e simples. Ela não<br />
se choca com seus deveres como esposa e mãe e ainda pode ser vista como uma forma de<br />
melhorá-las” 96 (1993, p. 180).<br />
Para completar o quadro que aponta Adèle Ratignolle como o ideal de Mulher-<br />
Mãe, t<strong>em</strong>os a sua caracterização física. Ela internaliza as qualidades das heroínas<br />
românticas, cujo modelo era a mulher da poesia de Petrarca. Sua caracterização de beleza<br />
é tão forte que o narra<strong>do</strong>r sente-se incapaz de descrevê-la: “Não há palavras para<br />
descrevê-la, salvo as <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> que serviam tão frequent<strong>em</strong>ente para ilustrar a antiga<br />
heroína de romance e a bela dama de nossos sonhos” 97 (CHOPIN, 1994, p. 19). Em<br />
seguida, há uma tentativa de mostrar o quanto Adèle é superior <strong>em</strong> beleza diante das<br />
outras mulheres. Nas palavras <strong>do</strong> narra<strong>do</strong>r, Madame Ratignolle possui uma “beleza<br />
flamejante e visível”, “suntuosa e exuberante”; cabelos de “fio de ouro” finos e lisos;<br />
lábios vermelhos como cerejas; “alvo pescoço”; belos braços esguios; mãos delicadas; t<strong>em</strong><br />
um andar cheio de “graça e majestade”; <strong>em</strong> suma, ela é uma “Ma<strong>do</strong>na sensual”.<br />
95 “She was keeping up her music on account of the children, she said; because she and her husband both considered<br />
it a means of brightening the home and making it attractive” (CHOPIN, 2006, p. 904).<br />
96 “Women’s art, as Adèle presents it, is social, pleasant, and und<strong>em</strong>anding. It <strong>do</strong>es not conflict with her duties as<br />
wife and mother, and can even be seen to enhance th<strong>em</strong>”.<br />
97 “There are no words to describe her save the old ones that have served so often to picture the bygone heroine of<br />
romance and the fair lady of our dreams” (CHOPIN, 2006, p. 888).<br />
116