Representações do sujeito feminino em O Despertar e Riacho Doce ...
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<strong>Representações</strong> <strong>do</strong> <strong>sujeito</strong> <strong>f<strong>em</strong>inino</strong> <strong>em</strong> O <strong>Despertar</strong> e <strong>Riacho</strong> <strong>Doce</strong>: um estu<strong>do</strong> comparativo<br />
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A visão de Edna/Eduarda sobre as mulheres da localidade <strong>Riacho</strong> <strong>Doce</strong> também<br />
exalta a diferença que há entre elas. Na carta que escreve para a irmã, falan<strong>do</strong> sobre sua<br />
nova vida no Brasil, a protagonista tenta descrever a “mulher da terra” (REGO, 2003, p.<br />
180), usan<strong>do</strong> como modelo as mulheres que encontrou <strong>em</strong> uma das festas de que<br />
participou. Primeiramente, é exalta<strong>do</strong> o caráter exótico e belo que estas mulheres locais<br />
têm: “Vi inúmeras mulheres bonitas. Elas têm um ar de um perverso encanto no olhar e<br />
na boca. E dançam admiravelmente. Os cabelos ondula<strong>do</strong>s e pretos, assim como os de<br />
Ester. São de um moreno delicioso” (REGO, 2003, p. 180). Em seguida, Edna/Eduarda<br />
descreve as péssimas condições de vida impostas às mulheres mestiças da praia, chegan<strong>do</strong><br />
a comparar o aspecto físico destas com o de sua mãe Matilde, revelan<strong>do</strong>, portanto, o<br />
caráter de entrega <strong>do</strong> <strong>f<strong>em</strong>inino</strong> diante das atividades <strong>do</strong>mésticas:<br />
[...] nos faz<strong>em</strong> pena pela miséria. Andam de pés no chão e se casam muito ce<strong>do</strong>.<br />
Casadas, são apenas um instrumento de trabalho. Faz pena vê-las. Moças,<br />
parec<strong>em</strong> velhas. Quan<strong>do</strong> as vejo, l<strong>em</strong>bro-me de nossa mãe. Elas têm s<strong>em</strong>pre<br />
aquele ar de escrava da nossa mãe. Trabalham muito (REGO, 2003, p. 181).<br />
O mo<strong>do</strong> de vida, o casamento precoce, a passividade dessas mulheres, entre outras<br />
desventuras, faz<strong>em</strong> com que Edna/Eduarda tenha pena delas e as veja como mais um<br />
modelo de mulher <strong>do</strong> qual ela s<strong>em</strong>pre quis se distanciar.<br />
Seja <strong>em</strong> seu próprio país ou <strong>em</strong> terra estrangeira, à protagonista de <strong>Riacho</strong> <strong>Doce</strong> não<br />
é permiti<strong>do</strong> ver nas outras mulheres um modelo a ser segui<strong>do</strong>. Quan<strong>do</strong> ela consegue se<br />
aproximar de alguma delas, como no caso de Ester ou de Helena, ou não é correspondida<br />
<strong>em</strong> seus sentimentos, ou não cria verdadeiramente um vínculo de <strong>em</strong>patia. Como b<strong>em</strong><br />
aponta a própria personag<strong>em</strong>, na carta a sua irmã Sigrid, o que está reserva<strong>do</strong> para ela é<br />
solidão: “[...] tu me conheces e sabes como a solidão me persegue” (REGO, 2003, p. 174).<br />
Esta certeza de que está sozinha no mun<strong>do</strong> faz de Edna/Eduarda um ex<strong>em</strong>plo <strong>do</strong> que<br />
Lukács denomina de herói d<strong>em</strong>oníaco. Suas tentativas de se impor como <strong>sujeito</strong> de<br />
vontade, fugin<strong>do</strong> de estereótipos e crian<strong>do</strong> vínculos com aqueles que lhe apraz<strong>em</strong>, s<strong>em</strong> se<br />
importar com o juízo de valor que a sociedade patriarcal faz dela também é mais uma<br />
característica desse herói de Georg Lukács.<br />
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