Representações do sujeito feminino em O Despertar e Riacho Doce ...
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<strong>Representações</strong> <strong>do</strong> <strong>sujeito</strong> <strong>f<strong>em</strong>inino</strong> <strong>em</strong> O <strong>Despertar</strong> e <strong>Riacho</strong> <strong>Doce</strong>: um estu<strong>do</strong> comparativo<br />
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idealização romântica: “Seu mari<strong>do</strong> parecia-lhe agora uma pessoa com qu<strong>em</strong> se casara<br />
s<strong>em</strong> ter o amor como desculpa” 66 (CHOPIN, 2006, p. 960).<br />
O casamento de Edna com Léonce cria um jogo de troca que, aparent<strong>em</strong>ente,<br />
liberta-a das amarras, representadas na figura <strong>do</strong> pai rígi<strong>do</strong> e religioso, que tolh<strong>em</strong> as suas<br />
vontades. Mas, na verdade, Edna deixa a condição de filha e passa a de esposa; troca o pai<br />
pelo mari<strong>do</strong>; deixa a religião protestante pela católica. Nos <strong>do</strong>is casos, antes e depois de<br />
casada, percebe-se que Edna se encontra <strong>em</strong> momentos de opressão. De início, o<br />
casamento parece ser uma forma de Edna encontrar seu lugar no mun<strong>do</strong> – “[...] sentiu<br />
que assumiria seu lugar no mun<strong>do</strong> real com certa dignidade, fechan<strong>do</strong> para s<strong>em</strong>pre atrás<br />
de si as portas <strong>do</strong> reino <strong>do</strong>s sonhos e romance [...]” 67 (CHOPIN, 1994, 32) –, mas, na<br />
verdade, depois de casada, ela continua tão perdida quanto antes. E seu lugar no mun<strong>do</strong><br />
real não passava de uma cópia de sua vida de solteira, metonimizada no que a narrativa<br />
identifica como “reino de sonhos e romance”.<br />
Incompleta <strong>em</strong> função daquilo que o casamento passa a representar para si, Edna<br />
Pontellier procura desmistificar valores que sacralizam esta instituição. A cena <strong>em</strong> que<br />
Edna tenta destruir o anel de casamento é a metaforização de suas atitudes transgressoras<br />
durante o curso da narrativa. Depois de mais uma discussão com o mari<strong>do</strong>, agora porque<br />
a comida não estava ao gosto dele, Edna fica sozinha e tenta buscar a si própria, <strong>em</strong> uma<br />
atitude de reflexão e recolhimento que d<strong>em</strong>onstra que a personag<strong>em</strong> medita sobre o<br />
incidente com o mari<strong>do</strong>:<br />
Em certo momento [...] tiran<strong>do</strong> a aliança de casamento, atirou-a no tapete.<br />
Quan<strong>do</strong> a viu caída, pisoteou-a com o salto <strong>do</strong> sapato tentan<strong>do</strong> esmagá-la. Mas<br />
o pequeno salto de sua botina não fez uma amassadura, uma marca no<br />
anelzinho cintilante 68 (CHOPIN, 1994, p. 74).<br />
Simbolicamente, esta cena abre possibilidades para diferentes interpretações: a)<br />
primeiramente, mostra a vontade que Edna t<strong>em</strong> de destruir sua relação com Léonce, cujo<br />
66 “Her husband se<strong>em</strong>ed to her now like a person whom she had married without love as an excuse” (CHOPIN,<br />
2006, p. 960).<br />
67 ‘she felt she would take her place with a certain dignity in the world of reality, closing the portals forever behind<br />
her upon the realm of romance and dreams” (CHOPIN, 2006, p. 960).<br />
68 “Once she stopped, and taking off her wedding ring, flung it upon the carpet. When she saw it lying there, she<br />
stamped her heel upon it, striving to crush it. But her small boot heel did not make an indenture, not a mark upon<br />
the little glittering circlet” (CHOPIN, 2006, p. 934).<br />
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