Representações do sujeito feminino em O Despertar e Riacho Doce ...
Representações do sujeito feminino em O Despertar e Riacho Doce ...
Representações do sujeito feminino em O Despertar e Riacho Doce ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
<strong>Representações</strong> <strong>do</strong> <strong>sujeito</strong> <strong>f<strong>em</strong>inino</strong> <strong>em</strong> O <strong>Despertar</strong> e <strong>Riacho</strong> <strong>Doce</strong>: um estu<strong>do</strong> comparativo<br />
____________________________________________________________________<br />
posicionamento diante <strong>do</strong>s filhos, esta sua fala d<strong>em</strong>onstra que ela não está preparada para<br />
representar o principal requisito <strong>do</strong> estereótipo <strong>f<strong>em</strong>inino</strong> da época: o da perfeita <strong>do</strong>na de<br />
casa e mãe ex<strong>em</strong>plar.<br />
Outra passag<strong>em</strong> da narrativa, quan<strong>do</strong> Edna faz uma visita a Adèle, no capítulo<br />
XVIII, mostra que, para a protagonista, a relação mari<strong>do</strong> e mulher <strong>do</strong>s Ratignolle e a<br />
forma como Adèle se entrega às atividades <strong>do</strong> lar reforçam a certeza de que Edna não<br />
estaria disposta a repetir o comportamento da amiga. Ao deixar a casa <strong>do</strong>s Ratignolle,<br />
Edna d<strong>em</strong>onstra sentir que foi “tomada por uma espécie de comiseração por Madame<br />
Ratignolle” 116 (CHOPIN, 1994, p. 78), identifican<strong>do</strong> na vida da amiga uma “existência<br />
s<strong>em</strong> colori<strong>do</strong> que jamais elevava seu possui<strong>do</strong>r para além da região <strong>do</strong> contentamento<br />
cego, <strong>em</strong> que nenhum momento de angústia jamais visitava sua alma, <strong>em</strong> que jamais<br />
sentiria o gosto <strong>do</strong> delírio da vida” 117 (CHOPIN, 1994, p. 78). Embora não consiga<br />
explicar o que venha a ser o “delírio da vida”, Edna identifica nessa expressão um<br />
significa<strong>do</strong> poderoso, pois metaforiza o desejo da protagonista de aproveitar a vida da<br />
forma que lhe apraz. A visita a Adèle e a constatação <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> de vida corriqueiro da<br />
amiga são mais um <strong>do</strong>s causa<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s despertares pelos quais Edna passa, influencian<strong>do</strong><br />
no seu comportamento quanto à sua função de esposa, mãe e <strong>do</strong>na de casa. Assim, no<br />
capítulo seguinte, o narra<strong>do</strong>r enfatiza que Edna “[c]omeçou a fazer o que queria e a se<br />
sentir a seu gosto” 118 (CHOPIN, 1994, p. 78), não fazen<strong>do</strong> “qualquer esforço inócuo para<br />
conduzir seu lar en bonne ménagère, sain<strong>do</strong> e voltan<strong>do</strong> ao sabor de sua fantasia e, até onde<br />
fosse capaz, entregan<strong>do</strong>-se a qualquer capricho passageiro” 119 (CHOPIN, 1994, p. 78 –<br />
79).<br />
Edna, <strong>em</strong> vez de manter o seu lar, acaba aban<strong>do</strong>nan<strong>do</strong> a casa onde mora, para<br />
construir uma nova moradia sozinha, deixan<strong>do</strong> para trás os filhos e o próprio esposo. Em<br />
sua <strong>em</strong>preitada para construir uma nova vida, ela procura para si realizações consideradas<br />
impossíveis para uma mulher casada nos moldes de uma sociedade patriarcal. É nessa<br />
tentativa de se construir como <strong>sujeito</strong> autônomo <strong>em</strong> uma sociedade plasmada <strong>em</strong> padrões<br />
instituí<strong>do</strong>s que perceb<strong>em</strong>os as tensões criadas pelas tecnologias de gênero. Partin<strong>do</strong> das<br />
116 “She was moved by a kind of commiseration for Madame Ratignolle” (CHOPIN, 2006, p. 938).<br />
117 “existence which never uplifted its possessor beyond the region of blind contentment, in which no moment of<br />
anguish ever visited her soul, in which she would never have the taste of life’s delirium” (CHOPIN, 2006, p. 938).<br />
118 “She began to <strong>do</strong> as she liked and to feel as she liked” (CHOPIN, 2006, p. 938).<br />
119 “She made no ineffectual efforts to conduct her household en bonne menagere, going and coming as it suited her<br />
fancy, and, so far as she was able, lending herself to any passing caprice” (CHOPIN, 2006, p. 939).<br />
124