Representações do sujeito feminino em O Despertar e Riacho Doce ...
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<strong>Representações</strong> <strong>do</strong> <strong>sujeito</strong> <strong>f<strong>em</strong>inino</strong> <strong>em</strong> O <strong>Despertar</strong> e <strong>Riacho</strong> <strong>Doce</strong>: um estu<strong>do</strong> comparativo<br />
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Da fala da personag<strong>em</strong>, três características da relação mari<strong>do</strong> e mulher são aqui<br />
reforçadas. Primeiro, para a mulher estava reserva<strong>do</strong> o espaço priva<strong>do</strong> da casa. Segun<strong>do</strong>, a<br />
mulher era tida como parte das posses <strong>do</strong> hom<strong>em</strong>. E, terceiro, a mulher <strong>do</strong>s senhores de<br />
engenho tinha como função a procriação. E uma vez elas se tornass<strong>em</strong> estéreis, eram<br />
esquecidas sexualmente por seus mari<strong>do</strong>s. Mais uma vez, o romance Fogo morto é<br />
<strong>em</strong>bl<strong>em</strong>ático ao mostrar que a esposa só é vista pelo hom<strong>em</strong> como a responsável pela<br />
procriação. Ao comentar o fato de ter ti<strong>do</strong> um aborto que a deixou impossibilitada de<br />
gerar outro filho, a personag<strong>em</strong> Amélia assim se refere ao comportamento <strong>do</strong> mari<strong>do</strong><br />
Lula para com ela, depois daquele episódio:<br />
Tivera um mari<strong>do</strong> amoroso, cheio de ternura, até aquele parto infeliz. Depois Lula<br />
dera-a como morta. Ficara outro hom<strong>em</strong>, tratan<strong>do</strong>-a como a uma <strong>do</strong>ente. E ela se<br />
sentira ferida com aquela atitude <strong>do</strong> mari<strong>do</strong>. Não era uma inútil, não era uma coisa s<strong>em</strong><br />
préstimo (REGO, 1998, p. 148).<br />
Como a mulher não consegue mais engravidar, segun<strong>do</strong> a visão estereotipada <strong>do</strong><br />
mari<strong>do</strong>, Amélia está desprovida da função sexual. Assim sen<strong>do</strong>, ela torna-se, como<br />
contrariamente afirma o discurso indireto-livre da personag<strong>em</strong>, uma inútil.<br />
De to<strong>do</strong>s os casamentos de senhores de engenho, apenas o de Lula de Holanda e<br />
Amélia não possui traição. Lula é, dentre os vários <strong>do</strong>nos de engenhos da obra de José<br />
Lins, o hom<strong>em</strong> que não se aventura <strong>em</strong> relacionamentos extraconjugais. Mas a razão para<br />
isso não deve ser vista apenas como sen<strong>do</strong> uma virtude <strong>do</strong> personag<strong>em</strong>. Ao que deixa<br />
transparecer a narrativa, Lula não se junta às negras de seu engenho porque nunca gostou<br />
de se misturar com ninguém de cor. E se não sai <strong>em</strong> aventuras <strong>em</strong> companhias das<br />
mulheres de bordéis é porque ele também t<strong>em</strong> aversão a qualquer pessoa que não<br />
pertença a seu circulo social. Aliás, Lula se considera melhor que qualquer outra pessoa<br />
<strong>do</strong> lugar, a qu<strong>em</strong> ele chama de “canalha <strong>do</strong> Pilar, gente de boca de rua, s<strong>em</strong> espécie<br />
alguma de decência” (REGO, 1998, p. 154). Mas a mulher, Amélia, deseja que Lula seja<br />
igual aos outros senhores de engenho que têm suas aventuras sexuais: “Não era que ele se<br />
desse às mulheres, como os outros senhores de engenho [...] Lula era um hom<strong>em</strong> de sua<br />
casa, dan<strong>do</strong>-se ao respeito com os inferiores. Às vezes até desejava que o seu mari<strong>do</strong><br />
fizesse das suas [...]” (REGO, 1998, p. 148 – 149). Ao desejar que o mari<strong>do</strong> deixe o lar à<br />
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