03.04.2013 Views

capacitação para comitês de ética em pesquisa - BVS Ministério da ...

capacitação para comitês de ética em pesquisa - BVS Ministério da ...

capacitação para comitês de ética em pesquisa - BVS Ministério da ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

CAPACITAÇÃO PARA COMITÊS DE ÉTICA EM PESQUISA<br />

era citado ou discutido nas revistas médicas. Pesquisadores e<br />

clínicos americanos aparent<strong>em</strong>ente consi<strong>de</strong>ravam Nur<strong>em</strong>berg<br />

irrelevante <strong>para</strong> seu próprio trabalho. Eles acreditavam<br />

(erroneamente, como mais tar<strong>de</strong> se <strong>de</strong>monstrou) que os<br />

experimentos bizarros e cruéis não haviam sido conduzidos<br />

por cientistas e médicos, mas por oficiais nazistas sádicos e,<br />

portanto, que <strong>pesquisa</strong>dores <strong>de</strong>dicados não tinham na<strong>da</strong> a<br />

apren<strong>de</strong>r <strong>da</strong> experiência...” 5 . Ou seja, os tratados humanitários<br />

e <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa dos direitos humanos assinados por inúmeros<br />

países, inclusive os Estados Unidos, não haviam ecoado na<br />

prática científica até os anos 70, haja vista, por ex<strong>em</strong>plo, o caso<br />

<strong>da</strong> <strong>pesquisa</strong> sobre a história natural <strong>da</strong> sífilis, <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong><br />

durante quase quarenta anos com comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s negras no<br />

estado do Alabama, <strong>em</strong> um período <strong>em</strong> que os métodos <strong>de</strong><br />

prevenção e cura <strong>da</strong> doença já estavam difundidos. O que o<br />

artigo <strong>de</strong> Beecher <strong>de</strong>monstrava era que as regras <strong>de</strong> controle,<br />

foss<strong>em</strong> elas policialescas, foss<strong>em</strong> <strong>de</strong> efeito moral, não eram<br />

<strong>para</strong> todos, apenas <strong>para</strong> os imorais, os perversos <strong>pesquisa</strong>dores<br />

do continente. Era urgente, portanto, alguma forma <strong>de</strong> difusão<br />

dos princípios morais <strong>da</strong> cultura dos direitos humanos que<br />

não fosse somente pela referência a tratados e convenções <strong>de</strong><br />

caráter tão abstratos e distantes como estavam sendo Helsinque<br />

ou Nur<strong>em</strong>berg até aquele momento.<br />

Foi nesse contexto que a Bio<strong>ética</strong> consolidou-se como uma<br />

disciplina acadêmica nos principais centros <strong>de</strong> <strong>pesquisa</strong> dos<br />

Estados Unidos, nos anos 70. A certeza <strong>de</strong> que a imorali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

não era uma facul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> espírito exclusiva dos médicos<strong>pesquisa</strong>dores<br />

nazistas, um fato incômodo <strong>de</strong>nunciado pelo<br />

artigo <strong>de</strong> Beecher, fez com que a comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> científica,<br />

especialmente a norte-americana, <strong>de</strong><strong>para</strong>sse com a fragili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>da</strong> proteção <strong>ética</strong> <strong>da</strong>s <strong>pesquisa</strong>s envolvendo seres humanos<br />

que vigorava até aquele momento. Tornou-se, portanto,<br />

imperativa a referência a outra estrutura <strong>de</strong> pensamento que<br />

não fosse a morali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> médico ou <strong>pesquisa</strong>dor <strong>em</strong><br />

particular. Como sugere Rothman, foi essa <strong>de</strong>sestruturação <strong>da</strong><br />

bedsi<strong>de</strong> ethics (“<strong>ética</strong> ao pé-<strong>da</strong>-cama”) – isto é, <strong>da</strong> referência<br />

moral dos médicos do período antes <strong>da</strong> guerra <strong>em</strong> que os<br />

atendimentos eram feitos nas residências, on<strong>de</strong> as <strong>pesquisa</strong>s<br />

científicas tinham como cobaias o próprio <strong>pesquisa</strong>dor e sua<br />

família – o que permitiu o surgimento <strong>da</strong> Bio<strong>ética</strong>, como uma<br />

instância mediadora dos conflitos morais. Era preciso que os<br />

médicos e <strong>pesquisa</strong>dores passass<strong>em</strong> <strong>de</strong> confi<strong>de</strong>ntes morais<br />

<strong>para</strong> distantes morais, pois esse seria o único movimento que<br />

tornaria possível o reconhecimento <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> moral <strong>de</strong><br />

10<br />

opiniões e crenças. A partir <strong>de</strong> então, passou a ser <strong>de</strong>fendi<strong>da</strong><br />

a idéia <strong>de</strong> que médicos e pacientes não necessitavam ter as<br />

mesmas crenças <strong>para</strong> que se respeitass<strong>em</strong> mutuamente, pois<br />

o encontro moral po<strong>de</strong>ria ser mediado por outra instância<br />

além <strong>da</strong> morali<strong>da</strong><strong>de</strong> particular <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> indivíduo: a Bio<strong>ética</strong>.<br />

O interessante <strong>de</strong>sse momento inicial <strong>de</strong> estruturação <strong>da</strong><br />

Bio<strong>ética</strong> foi o papel exercido pelos movimentos sociais <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>fesa dos direitos humanos. Os <strong>da</strong>dos <strong>de</strong> Beecher apontavam,<br />

com uma certa sutileza perversa, <strong>para</strong> as estruturas sociais <strong>de</strong><br />

dominação, foss<strong>em</strong> elas <strong>de</strong> raça, gênero, classe, foss<strong>em</strong> <strong>de</strong><br />

i<strong>da</strong><strong>de</strong>. Tal como sugeriu Hans Jonas, <strong>em</strong> seu pronunciamento<br />

no <strong>de</strong>bate promovido pela revista Dae<strong>da</strong>lus sobre o artigo <strong>de</strong><br />

Beecher, entre os sujeitos alvos <strong>da</strong>s <strong>pesquisa</strong>s <strong>de</strong>nuncia<strong>da</strong>s,<br />

não havia sequer um cientista, fato que Jonas sugeria ser<br />

incompreensível 6 . Vale conferir a transcrição feita por<br />

Rothman <strong>da</strong> manifestação irônica <strong>de</strong> Jonas: “…aqueles mais<br />

aptos <strong>para</strong> <strong>da</strong>r o consentimento, isto é, os mais educados,<br />

com maior capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> escolha, <strong>de</strong>veriam ser os primeiros<br />

a ser<strong>em</strong> consultados <strong>para</strong> a <strong>pesquisa</strong>…” “…os cientistas<strong>pesquisa</strong>dores<br />

<strong>de</strong>veriam estar, portanto, no topo <strong>da</strong> lista, ao<br />

contrário dos prisioneiros que no fim…” 7 . Jonas <strong>de</strong>nominava<br />

essa diferenciação quanto à capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> consentir com a<br />

<strong>pesquisa</strong> como o “princípio <strong>da</strong> or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte”. Nos<br />

termos <strong>de</strong> Jonas, haveria uma espécie <strong>de</strong> gra<strong>da</strong>ção quanto<br />

à intensi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> compreensão do experimento e <strong>de</strong> seus<br />

riscos e, nessa escala <strong>de</strong> vulnerabili<strong>da</strong><strong>de</strong>, os <strong>pesquisa</strong>dores<br />

seriam os mais protegidos, portanto, os mais aptos a se<br />

submeter<strong>em</strong> à <strong>pesquisa</strong>. Por outro lado, os presidiários, os<br />

idosos, os <strong>de</strong>ficientes mentais, isto é, os sujeitos <strong>de</strong>nunciados<br />

por Beecher, estariam <strong>de</strong>ntre os mais vulneráveis, <strong>de</strong>vendo,<br />

assim, ser preservados dos experimentos.<br />

Depois dos casos <strong>de</strong>nunciados por Beecher e <strong>de</strong> seus<br />

<strong>de</strong>sdobramentos argumentativos, a Bio<strong>ética</strong> recebeu um<br />

impulso consi<strong>de</strong>rável. Na déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 70, foram feitas as<br />

primeiras publicações teóricas que procuravam sist<strong>em</strong>atizar<br />

o pensamento bioético. Dentre as publicações mais<br />

importantes <strong>da</strong> déca<strong>da</strong>, estão as edições dos primeiros<br />

livros e propostas teóricas volta<strong>da</strong>s <strong>para</strong> a cotidiani<strong>da</strong><strong>de</strong> dos<br />

conflitos morais na prática médica. O curioso <strong>de</strong>ssa primeira<br />

leva <strong>de</strong> publicações, <strong>em</strong> que Moral Probl<strong>em</strong>s in Medicine e<br />

Principles of Biomedical Ethics foram as mais importantes<br />

<strong>da</strong> déca<strong>da</strong>, foi o apelo ao tradicionalismo filosófico, por meio<br />

dos chamados princípios éticos, uma estrutura <strong>de</strong> pensamento<br />

que, ain<strong>da</strong> hoje, é dominante na Bio<strong>ética</strong>, especialmente

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!