03.04.2013 Views

capacitação para comitês de ética em pesquisa - BVS Ministério da ...

capacitação para comitês de ética em pesquisa - BVS Ministério da ...

capacitação para comitês de ética em pesquisa - BVS Ministério da ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

obsolescência dos absolutos limitar-se-ia a fazer uma<br />

bio<strong>ética</strong> <strong>de</strong>scritiva, que somente toma conhecimento<br />

<strong>da</strong>s mu<strong>da</strong>nças ocorri<strong>da</strong>s no plano sociológico, ao passo<br />

que a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira bio<strong>ética</strong> seria aquela normativa que,<br />

ao preten<strong>de</strong>r estabelecer prescrições, não po<strong>de</strong>ria abrir<br />

mão do PSV.<br />

Não sei se os <strong>de</strong>fensores do PSV conseguirão<br />

encontrar uma maneira <strong>para</strong> tornar compreensíveis<br />

os absolutos à mentali<strong>da</strong><strong>de</strong> cont<strong>em</strong>porânea, mas com<br />

essa proposta eles pressupõ<strong>em</strong> que o Psv t<strong>em</strong> ain<strong>da</strong><br />

um fun<strong>da</strong>mento filosófico consistente, mesmo que<br />

não seja mais aceito no plano meramente sociológico.<br />

Entretanto, assim fazendo, eles esquec<strong>em</strong> que, do ponto<br />

<strong>de</strong> vista teórico, o direito natural [guisnaturalismo] já<br />

t<strong>em</strong> sido refutado e abandonado há muito t<strong>em</strong>po, ou<br />

seja, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o começo <strong>da</strong> época mo<strong>de</strong>rna com a afirmação<br />

do Estado. Desse ponto <strong>de</strong> vista, po<strong>de</strong>-se afirmar que a<br />

bio<strong>ética</strong> constitui a última fase <strong>da</strong>quele amplo processo<br />

<strong>de</strong> secularização <strong>da</strong> cultura que t<strong>em</strong> levado à abolição<br />

dos <strong>de</strong>veres absolutos, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>da</strong> vonta<strong>de</strong><br />

humana, antes, <strong>da</strong>s relações sociopolíticas (admitindo<br />

que as normas reguladoras <strong>da</strong> or<strong>de</strong>m social <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m<br />

<strong>da</strong> vonta<strong>de</strong> humana) e, atualmente, esten<strong>de</strong>ndo-se<br />

também à vi<strong>da</strong> biológica. Esse processo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>em</strong><br />

parte <strong>de</strong> fatores culturais, mas <strong>em</strong> gran<strong>de</strong> medi<strong>da</strong> do<br />

avanço técnico que, ao permitir um controle ca<strong>da</strong> vez<br />

maior <strong>da</strong> natureza, torna ca<strong>da</strong> vez menos plausível a<br />

idéia segundo a qual a natureza possa fornecer a base<br />

<strong>para</strong> indicações normativas. De fato, com o crescimento<br />

do conhecimento e <strong>da</strong>s capaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> intervenção,<br />

o “<strong>de</strong>ixar morrer” (não fazer na<strong>da</strong>) torna-se ca<strong>da</strong> vez<br />

mais freqüent<strong>em</strong>ente uma outra forma do “matar”, e o<br />

abandono <strong>de</strong>ssa distinção t<strong>em</strong> conseqüências <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />

alcance <strong>para</strong> a inteira prática médica. Essa mu<strong>da</strong>nça é<br />

relevante não só <strong>para</strong> o do médico individualmente,<br />

mas também no nível social, pois se até hoje o hom<strong>em</strong><br />

ficava sozinho diante <strong>da</strong> doença e, portanto, não se<br />

colocavam probl<strong>em</strong>as <strong>de</strong> “justiça” (só válidos <strong>em</strong><br />

regime cooperativo), hoje a medicina tornou-se um<br />

<strong>em</strong>preendimento cooperativo e, portanto, ca<strong>da</strong> vez<br />

mais colocam-se questões relativas à alocação dos<br />

escassos recursos médicos, no momento <strong>em</strong> que a<br />

escolha <strong>de</strong> investir recursos numa direção equivale a<br />

beneficiar uma classe <strong>de</strong> indivíduos <strong>em</strong> <strong>de</strong>trimentos<br />

CAPACITAÇÃO PARA COMITÊS DE ÉTICA EM PESQUISA<br />

<strong>de</strong> outras. A saú<strong>de</strong>, outrora <strong>em</strong> gran<strong>de</strong> medi<strong>da</strong> fruto <strong>da</strong><br />

sorte, ca<strong>da</strong> vez mais torna-se uma condição controlável<br />

pelo hom<strong>em</strong> e sujeita à sua responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong>, sendo que<br />

esse aspecto crescerá com o aumento <strong>da</strong>s capaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> intervenção no âmbito pré-natal e genético. Por isso,<br />

o apelo à natureza como base <strong>para</strong> soluções normativas<br />

resulta ser inaceitável, e com ele a idéia <strong>de</strong> que as normas<br />

morais sejam in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>da</strong> vonta<strong>de</strong> humana 14 .<br />

A divergência entre as duas concepções <strong>da</strong> bio<strong>ética</strong><br />

resulta assim clara divergência tão profun<strong>da</strong> que as torna<br />

inconciliáveis. Mas a esse ponto quero <strong>de</strong>ixar claro que<br />

não pretendo afirmar que somente um é o uso correto<br />

do termo “bio<strong>ética</strong>”, pois acredito que ninguém possa se<br />

apropriar <strong>da</strong>s palavras por autori<strong>da</strong><strong>de</strong>. To<strong>da</strong>via, parec<strong>em</strong>e<br />

que do ponto <strong>de</strong> vista histórico e sociológico, pelo<br />

menos no plano <strong>da</strong> discussão internacional, o uso do<br />

termo mais difuso é aquele que vê a bio<strong>ética</strong> como uma<br />

“nova <strong>ética</strong>” (s<strong>em</strong> absolutos), aplica<strong>da</strong> a um campo <strong>de</strong><br />

investigação específico. Minha tarefa não era aquela<br />

<strong>de</strong> afirmar uma tese específica, mas sim <strong>de</strong> esclarecer<br />

as diferentes posições a fim <strong>de</strong> permitir ao leitor uma<br />

orientação mais fácil sobre o assunto, e espero que<br />

agora ele tenha um quadro mais completo <strong>da</strong> situação.<br />

As duas concepções <strong>da</strong> bio<strong>ética</strong> acima esboça<strong>da</strong>s,<br />

<strong>em</strong>bora incompatíveis, conceb<strong>em</strong>, ambas, a <strong>ética</strong> como<br />

um conjunto <strong>de</strong> princípios que permite estabelecer o<br />

que se <strong>de</strong>ve fazer ou o que é justo fazer nas situações<br />

específicas, sendo que elas difer<strong>em</strong> porque uma afirma<br />

o Psv e a outra o exclui. Alguns criticam a idéia segundo<br />

a qual a moral <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>em</strong> primeiro lugar <strong>de</strong> princípios<br />

[principialismo], observando que a <strong>ética</strong> t<strong>em</strong> a ver com<br />

os i<strong>de</strong>ais (mais do que com os princípios), e propõ<strong>em</strong><br />

uma <strong>ética</strong> <strong>da</strong> virtu<strong>de</strong> que focaliza a atenção moral sobre<br />

o bom caráter <strong>da</strong>s pessoas (mais do que sobre as ações<br />

justas). Outros, ao contrário, criticam o principialismo,<br />

observando que esse <strong>de</strong>ixa ilusoriamente crer que a<br />

solução prática <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> dos princípios relevantes,<br />

mesmo que na reali<strong>da</strong><strong>de</strong> as coisas an<strong>de</strong>m <strong>de</strong> forma<br />

diferente: faltando princípios absolutos, falta também<br />

uma hierarquia estabeleci<strong>da</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>veres e, portanto,<br />

não é possível individualizar nenhuma solução precisa<br />

<strong>em</strong>basa<strong>da</strong> <strong>em</strong> princípios, <strong>de</strong>vendo-se então reconhecer<br />

que ela <strong>em</strong>erge sobretudo do “caso clínico”, do<br />

qual o médico competente sabe tirar (quase que<br />

27

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!