capacitação para comitês de ética em pesquisa - BVS Ministério da ...
capacitação para comitês de ética em pesquisa - BVS Ministério da ...
capacitação para comitês de ética em pesquisa - BVS Ministério da ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
CAPACITAÇÃO PARA COMITÊS DE ÉTICA EM PESQUISA<br />
inúmeras observações críticas que receberam ao longo dos<br />
anos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o surgimento <strong>da</strong> mesma.<br />
O bom-senso aconselha ver os princípios como<br />
instrumentos <strong>para</strong> interpretar <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s facetas<br />
morais <strong>de</strong> situações e como guias <strong>para</strong> a ação. Abusos <strong>de</strong><br />
princípios ocorr<strong>em</strong> quando mo<strong>de</strong>lamos as circunstâncias<br />
<strong>para</strong> aplicar um princípio preferido e acaba-se caindo no<br />
“ismo”, e não se percebe mais que exist<strong>em</strong> limites no<br />
procedimento principialista consi<strong>de</strong>rado como infalível<br />
na resolução dos conflitos éticos.<br />
Ao fazer uma avaliação dos princípios na bio<strong>ética</strong>, que<br />
surgiram um pouco como a “tábua <strong>de</strong> salvação dos <strong>de</strong>z<br />
man<strong>da</strong>mentos”, Hubert Lepargneur aponta – entre outras<br />
observações a respeito dos limites dos princípios – que<br />
na impl<strong>em</strong>entação s<strong>em</strong>pre está implica<strong>da</strong> uma casuística<br />
(análise <strong>de</strong> casos clínicos). Além disso, no horizonte<br />
bioético, <strong>para</strong> além dos princípios surge como tarefa <strong>para</strong><br />
a bio<strong>ética</strong> colocar no seu <strong>de</strong>vido lugar a prudência como<br />
sabedoria prática, que v<strong>em</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a tradição aristotélica<br />
tomista e que foi esqueci<strong>da</strong> na reflexão bio<strong>ética</strong> hodierna.<br />
A sabedoria prática <strong>da</strong> prudência – phronesis – domina<br />
a <strong>ética</strong> e, portanto, a vivência <strong>da</strong> morali<strong>da</strong><strong>de</strong>, porque<br />
vincula, numa síntese, o agente (com seu condicionamento<br />
próprio e intenção), o contexto <strong>da</strong> ação, a natureza <strong>da</strong><br />
mesma ação e o seu resultado previsível. A figura <strong>de</strong> proa<br />
<strong>da</strong> <strong>ética</strong> é a phronesis, que forma as regras <strong>da</strong> ação e sabe<br />
impl<strong>em</strong>entá-las 7, 8 .<br />
A obra <strong>de</strong> maior colaboração inter e multidisciplinar<br />
produzi<strong>da</strong> até o presente momento na área <strong>de</strong> bio<strong>ética</strong>,<br />
Encyclopedia of Bioethics, ao <strong>de</strong>finir o que é bio<strong>ética</strong><br />
mu<strong>da</strong> significativamente sua conceituação entre a<br />
primeira (1978) e segun<strong>da</strong> edição (1995), justamente<br />
na questão liga<strong>da</strong> aos princípios. Na primeira edição a<br />
bio<strong>ética</strong> é <strong>de</strong>fini<strong>da</strong> como sendo o “estudo sist<strong>em</strong>ático <strong>da</strong><br />
conduta humana no campo <strong>da</strong>s ciências <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e <strong>da</strong> saú<strong>de</strong>,<br />
enquanto examina<strong>da</strong> à luz dos valores e princípios morais”<br />
(o <strong>de</strong>staque <strong>em</strong> itálico é nosso). In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente <strong>da</strong>s<br />
diversas teorias <strong>ética</strong>s que pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> estar por trás <strong>de</strong>stes<br />
princípios e <strong>da</strong> interpretação dos mesmos, eles são o<br />
referencial fun<strong>da</strong>mental. Na segun<strong>da</strong> edição a <strong>de</strong>finição<br />
do que é bio<strong>ética</strong> já não faz mais referência aos “valores<br />
e princípios morais” que orientam a conduta humana<br />
no estudo <strong>da</strong>s ciências <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e do cui<strong>da</strong>do <strong>da</strong> saú<strong>de</strong>,<br />
mas às diversas metodologias <strong>ética</strong>s e numa perspectiva<br />
<strong>de</strong> abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> multidisciplinar. A bio<strong>ética</strong> é <strong>de</strong>fini<strong>da</strong><br />
4<br />
como sendo o “estudo sist<strong>em</strong>ático <strong>da</strong>s dimensões morais<br />
– incluindo visão, <strong>de</strong>cisão e normas morais – <strong>da</strong>s ciências<br />
<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e do cui<strong>da</strong>do <strong>da</strong> saú<strong>de</strong>, utilizando uma varie<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> metodologias <strong>ética</strong>s num contexto multidisciplinar” (o<br />
<strong>de</strong>staque <strong>em</strong> itálico é nosso). Evita-se os termos “valores”<br />
e “princípios” num esforço <strong>para</strong> se a<strong>da</strong>ptar ao pluralismo<br />
ético atual na área <strong>da</strong> bio<strong>ética</strong>. Este é um sintoma evi<strong>de</strong>nte<br />
<strong>de</strong> que o panorama bioético, claramente principialista no<br />
início <strong>da</strong> bio<strong>ética</strong> (déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 70), já não é mais o mesmo<br />
<strong>em</strong> meados <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 90; houve uma evolução 9 .<br />
Após termos <strong>de</strong>lineado alguns aspectos <strong>da</strong> evolução<br />
<strong>da</strong> bio<strong>ética</strong> <strong>de</strong> um <strong>para</strong>digma heg<strong>em</strong>ônico principialista<br />
nas suas origens <strong>para</strong> uma busca “plural” multi e<br />
interdisciplinar <strong>de</strong> <strong>para</strong>digmas, vejamos a seguir<br />
algumas características <strong>de</strong> duas tradições <strong>de</strong> bio<strong>ética</strong>,<br />
especificamente a norte-americana e a européia.<br />
Bio<strong>ética</strong> “ma<strong>de</strong> in USA” e bio<strong>ética</strong> européia 10<br />
Pelo exposto até o momento, perceb<strong>em</strong>os que a<br />
bio<strong>ética</strong> principialista é um produto típico <strong>da</strong> cultura<br />
norte-americana. Existe uma profun<strong>da</strong> influência do<br />
pragmatismo filosófico anglo-saxão <strong>em</strong> três aspectos<br />
fun<strong>da</strong>mentais: nos casos, nos procedimentos e no<br />
processo <strong>de</strong> toma<strong>da</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões. Os princípios <strong>de</strong><br />
autonomia, beneficência, não-maleficência e justiça são<br />
utilizados, porém no geral são consi<strong>de</strong>rados mais como<br />
máximas <strong>de</strong> atuação pru<strong>de</strong>ncial, não como princípios<br />
no sentido estrito. Fala-se mais <strong>de</strong> procedimentos e<br />
estabelecimentos <strong>de</strong> normas <strong>de</strong> regulação. Por ex<strong>em</strong>plo,<br />
não há muita preocupação <strong>em</strong> <strong>de</strong>finir o conceito <strong>de</strong><br />
autonomia, mas <strong>em</strong> estabelecer os procedimentos <strong>de</strong><br />
análise <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> ou competência (consentimento<br />
informado). Buscam-se os caminhos <strong>de</strong> ação mais<br />
a<strong>de</strong>quados, isto é, resolver probl<strong>em</strong>as tomando <strong>de</strong>cisões<br />
a respeito <strong>de</strong> procedimentos concretos.<br />
Diego Gracia, bioeticista espanhol, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a<br />
tese <strong>de</strong> que não é possível resolver os probl<strong>em</strong>as<br />
<strong>de</strong> procedimento s<strong>em</strong> abor<strong>da</strong>r as questões <strong>de</strong><br />
fun<strong>da</strong>mentação. Fun<strong>da</strong>mentos e procedimentos são, na<br />
ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, duas facetas <strong>da</strong> mesma moe<strong>da</strong>, inseparáveis.<br />
Pobre é o procedimento que não está b<strong>em</strong> fun<strong>da</strong>mentado<br />
e pobre é o fun<strong>da</strong>mento que não dá como resultado um<br />
procedimento ágil e correto 11 .<br />
Na<strong>da</strong> mais útil do que uma boa fun<strong>da</strong>mentação e<br />
na<strong>da</strong> mais fun<strong>da</strong>mental que um bom procedimento, são