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capacitação para comitês de ética em pesquisa - BVS Ministério da ...

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CAPACITAÇÃO PARA COMITÊS DE ÉTICA EM PESQUISA<br />

cristã é aquela que nos l<strong>em</strong>bra que o hom<strong>em</strong> está na<br />

terra <strong>para</strong> merecer o céu; que ele não é feito <strong>para</strong> viver<br />

s<strong>em</strong>pre aqui <strong>em</strong> baixo, mas <strong>para</strong> aqui viver um t<strong>em</strong>po<br />

limitado e <strong>para</strong> cumprir a sua obra <strong>de</strong> cristão; portanto,<br />

e <strong>de</strong> alguma forma, que estamos na terra <strong>para</strong> morrer e<br />

<strong>para</strong> ir <strong>para</strong> o céu e que o probl<strong>em</strong>a principal, o único<br />

sob um <strong>de</strong>terminado aspecto, é <strong>de</strong> ir <strong>da</strong> melhor forma<br />

possível.<br />

Parece-me que, pelo contrário, normalmente se<br />

consi<strong>de</strong>ra o probl<strong>em</strong>a <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> como se não <strong>de</strong>vêss<strong>em</strong>os<br />

morrer. Mas todos morr<strong>em</strong>os; não existe probl<strong>em</strong>a <strong>de</strong><br />

não morrer, e tanto faz viver alguns anos a mais ou<br />

a menos. O que importa é viver e morrer b<strong>em</strong>... Nas<br />

antigas histórias dos mártires encontramos mães que<br />

encorajavam seus filhos adolescentes a sacrificar a<br />

própria vi<strong>da</strong>. Não sei porque mas, parece-me que<br />

naqueles relatos existe um espírito que hoje não existe<br />

mais. Talvez isso nos indique o sentido <strong>da</strong> canonização<br />

<strong>de</strong> Maria Goretti, uma menina <strong>de</strong> onze anos que se<br />

<strong>de</strong>ixou matar <strong>para</strong> não ce<strong>de</strong>r às solicitações <strong>de</strong> um<br />

<strong>de</strong>pravado.<br />

A nossa época está cheia <strong>de</strong> histórias <strong>de</strong> violência e<br />

<strong>de</strong> estupros, <strong>de</strong> uma abundância e <strong>de</strong> um horror cujos<br />

ex<strong>em</strong>plos, pelo menos no nosso mundo oci<strong>de</strong>ntal, só<br />

se encontram r<strong>em</strong>ontando há muitos séculos atrás.<br />

Violências <strong>de</strong> massa foram pratica<strong>da</strong>s pela maioria<br />

dos exércitos durante a guerra <strong>da</strong> Espanha, durante a<br />

guerra <strong>da</strong> Polônia, durante a avança<strong>da</strong> dos vermelhos<br />

na Al<strong>em</strong>anha, s<strong>em</strong> falar dos tristes episódios dos<br />

campos <strong>de</strong> concentração. Pois b<strong>em</strong>, tenho ouvido falar<br />

<strong>de</strong> vítimas que se queixavam e invectivavam contra seus<br />

perseguidores, mas não tenho ouvido falar <strong>de</strong> mulheres<br />

que tenham preferido se <strong>de</strong>ixar matar ao invés <strong>de</strong> ce<strong>de</strong>r,<br />

n<strong>em</strong> tenho ouvido colocar este dil<strong>em</strong>a. Pelo menos não<br />

me l<strong>em</strong>bro. Se estou enganado gostaria que alguém<br />

me contradissesse. No âmbito <strong>da</strong>quilo que tenho lido<br />

e escutado, a situação <strong>de</strong>stas mulheres era ti<strong>da</strong> como<br />

triste, eram compa<strong>de</strong>ci<strong>da</strong>s e com razão, mas nunca se<br />

pensou que elas po<strong>de</strong>riam se ter <strong>de</strong>ixado morrer.” 9<br />

Citei esse longo trecho <strong>de</strong> Leclerc seja pela autori<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>da</strong> fonte seja <strong>para</strong> mostrar concretamente a mentali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

cultural dos anos 1950. Também recent<strong>em</strong>ente a violência<br />

e os estupros contra as mulheres <strong>da</strong> ex-Iugoslávia têm<br />

levantado fortes reações <strong>de</strong> indignação, mas ninguém t<strong>em</strong><br />

n<strong>em</strong> ousado pensar na solução proposta por Leclerc, que<br />

24<br />

<strong>para</strong> a sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> cont<strong>em</strong>porânea aparece totalmente<br />

“absur<strong>da</strong>”, “incompreensível” e até “ofensiva”.<br />

Parece-me que essa observação acerca do clima<br />

cultural diferente seja <strong>de</strong>cisiva <strong>para</strong> mostrar a<br />

insustentabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> posição <strong>em</strong> exame: Era inaceitável<br />

também pela ina<strong>de</strong>quação <strong>da</strong>s outras razões, mas<br />

se fosse ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro que a bio<strong>ética</strong> é a continuação,<br />

sobre um nome diferente, <strong>da</strong>s reflexões próprias <strong>da</strong><br />

<strong>ética</strong> médica tradicional, então as palavras <strong>de</strong> Leclerc<br />

<strong>de</strong>veriam ain<strong>da</strong> ter um significado ou ser pelo menos<br />

discutíveis. Mas, olhando b<strong>em</strong>, elas n<strong>em</strong> po<strong>de</strong>m ser<br />

propostas, pois não parece que elas possam ser ti<strong>da</strong>s<br />

seriamente <strong>em</strong> conta, discuti<strong>da</strong>s e dizer que são erra<strong>da</strong>s<br />

<strong>em</strong> algum aspecto, mas são percebi<strong>da</strong>s como sendo<br />

simplesmente absur<strong>da</strong>s. É precisamente esse fato que<br />

constitui o indício <strong>de</strong> uma censura histórica entre dois<br />

períodos: Como diz Leclerc, uma vez na tradição cristã<br />

existia um espírito que já não existe mais. E por isso<br />

que é errado afirmar que a novi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> bio<strong>ética</strong> está<br />

somente na urgência <strong>da</strong> questão do limite. De fato, existe<br />

algo novo, mesmo que não seja fácil individualizá-lo<br />

com precisão. É a essa tarefa que nos <strong>de</strong>dicar<strong>em</strong>os nas<br />

páginas a seguir.<br />

Observação feita acerca do diverso clima cultural<br />

é <strong>de</strong>cisiva quando se trata <strong>de</strong> esclarecer a diferença<br />

entre a <strong>ética</strong> médica tradicional (até os anos 1950) e<br />

aquela <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong> posteriomente. Como t<strong>em</strong>os<br />

visto, trata-se <strong>de</strong> uma mu<strong>da</strong>nça profun<strong>da</strong> que implica<br />

uma espécie <strong>de</strong> “incompreensibili<strong>da</strong><strong>de</strong>” <strong>de</strong> posições,<br />

que parece, assim, estarmos <strong>em</strong> presença <strong>de</strong> duas<br />

“mentali<strong>da</strong><strong>de</strong>s”, ou duas “culturas” diversas. Mu<strong>da</strong>nças<br />

<strong>de</strong>sse tipo são historicamente pouco freqüentes e<br />

habitualmente acontec<strong>em</strong> junto a vira<strong>da</strong>s significativas<br />

no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma civilização. Algo similar<br />

parece ter acontecido no início <strong>da</strong> época mo<strong>de</strong>rna,<br />

quando o mundo medieval prece<strong>de</strong>nte se tornou<br />

praticamente incompreensível. Do ponto <strong>de</strong> vista moral<br />

– aqui relevante <strong>para</strong> nós –, parece que um aspecto<br />

importante <strong>de</strong>ssa “incompreensibili<strong>da</strong><strong>de</strong>” <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>da</strong><br />

obsolescência do “código <strong>de</strong> honra”, típico do cavaleiro<br />

medieval. Por isso, as aventuras <strong>de</strong> Dom Quixote<br />

(o cavaleiro fiel ao código obsoleto do princípio <strong>de</strong><br />

honra) parec<strong>em</strong> totalmente incompreensíveis <strong>para</strong> o<br />

hom<strong>em</strong> que vive no “<strong>de</strong>sencantamento” típico <strong>da</strong> época<br />

mo<strong>de</strong>rna. 10

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