capacitação para comitês de ética em pesquisa - BVS Ministério da ...
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CAPACITAÇÃO PARA COMITÊS DE ÉTICA EM PESQUISA<br />
num sentido completamente diferente <strong>da</strong>quele <strong>de</strong> Potter.<br />
Para eles, a bio<strong>ética</strong> não é a nova “<strong>ética</strong> científica”, mas<br />
a <strong>ética</strong> aplica<strong>da</strong> a um novo campo <strong>de</strong> estudo, o campo<br />
médico e biológico. Assim como o Kennedy Institute<br />
promoveu imediatamente a Encyclopedia of bioethics,<br />
publica<strong>da</strong> <strong>em</strong> 1978 – que encontrou ampla divulgação,<br />
afirmando <strong>de</strong>finitivamente o termo –, a disciplina<br />
correspon<strong>de</strong>nte, atualmente “bio<strong>ética</strong>”, v<strong>em</strong> sendo<br />
utiliza<strong>da</strong> <strong>para</strong> indicar a reflexão sobre os probl<strong>em</strong>as<br />
morais que se colocam <strong>em</strong> âmbito médico-biológico.<br />
Entretanto, no começo não ficou muito claro o porquê<br />
<strong>de</strong> uma nova disciplina, n<strong>em</strong> o que o termo “bio<strong>ética</strong>”<br />
queria indicar. O próprio Warren Reich, que teve a idéia<br />
<strong>da</strong> Encyclopedia e é atualmente seu diretor, afirma ter<br />
escolhido o título durante uma discussão com Hellenger<br />
s<strong>em</strong> saber claramente as implicações <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>cisão. 5<br />
Por outro lado, não <strong>de</strong>v<strong>em</strong>os esquecer que o<br />
novo termo não agra<strong>da</strong>va a muitos: alguns porque<br />
o consi<strong>de</strong>ravam feio do ponto <strong>de</strong> vista s<strong>em</strong>ântico<br />
(como me <strong>de</strong>clarou D. Callahan), outros porque o<br />
julgavam confuso, na medi<strong>da</strong> <strong>em</strong> que parecia indicar<br />
uma <strong>ética</strong> “especial” e não a aplicação <strong>da</strong> <strong>ética</strong> a um<br />
campo particular. Assim, o manual com maior difusão<br />
neste campo, Principles of biomedical ethics, <strong>de</strong> T.L.<br />
Beauchamp e J. Childress, critica explicitamente o<br />
uso do novo termo bio<strong>ética</strong>, inclusive na segun<strong>da</strong><br />
edição. 6 Uma ressalva similar t<strong>em</strong> acontecido também<br />
no âmbito britânico, on<strong>de</strong> se prefere falar <strong>em</strong> “medical<br />
ethics” ou <strong>em</strong> “health care ethics”, s<strong>em</strong> esquecer que,<br />
ao ser publica<strong>da</strong>, a própria Encyclopedia foi duramente<br />
critica<strong>da</strong> e o sucesso não era n<strong>em</strong> previsível n<strong>em</strong><br />
evi<strong>de</strong>nte.<br />
Mas, apesar <strong>da</strong>s perplexi<strong>da</strong><strong>de</strong>s e oposições, o termo<br />
“bio<strong>ética</strong>” t<strong>em</strong>-se imposto <strong>de</strong> maneira irresistível à<br />
atenção pública e t<strong>em</strong> indubitavelmente <strong>da</strong>do uma<br />
contribuição <strong>de</strong>cisiva à afirmação do movimento<br />
cultural e à disciplina correspon<strong>de</strong>nte. De fato, t<strong>em</strong><br />
servido como catalisador <strong>para</strong> coor<strong>de</strong>nar inúmeras<br />
reflexões que até então estavam dispersas, conseguindo<br />
i<strong>de</strong>ntificar um ponto <strong>de</strong> vista que lhe <strong>de</strong>sse uma nova<br />
digni<strong>da</strong><strong>de</strong> intelectual. Como escreveu T. Engelhardt,<br />
“as idéias têm vi<strong>da</strong> própria e um po<strong>de</strong>r próprio. Uma<br />
idéia po<strong>de</strong> forjar ou r<strong>em</strong>o<strong>de</strong>lar as formas <strong>em</strong> que<br />
compreen<strong>de</strong>mos e experimentamos a reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Quando<br />
22<br />
encontramos uma idéia fecun<strong>da</strong> diz<strong>em</strong>os: ‘Ah! É isso!’,<br />
e v<strong>em</strong>os o mundo <strong>de</strong> tal maneira que não po<strong>de</strong>mos mais<br />
imaginá-lo diferente... O mesmo acontece às vezes com<br />
as palavras novas. Uma nova palavra permite-nos <strong>da</strong>r<br />
um nome a el<strong>em</strong>entos <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> tal forma que<br />
po<strong>de</strong>mos ter um novo tipo <strong>de</strong> controle sobre o ambiente<br />
cultural... Isso aconteceu com ‘bio<strong>ética</strong>’. 7<br />
Se é ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro que o novo nome t<strong>em</strong> contribuído<br />
<strong>para</strong> o surgimento e a afirmação <strong>da</strong> bio<strong>ética</strong>, <strong>de</strong>v<strong>em</strong>os<br />
então nos perguntar <strong>em</strong> que consiste – <strong>para</strong> além do<br />
nome – a novi<strong>da</strong><strong>de</strong> específica <strong>da</strong> bio<strong>ética</strong>. De fato, se<br />
aceitarmos o uso proposto pelos cientistas do Kennedy<br />
Institute e a enten<strong>de</strong>rmos como <strong>ética</strong> aplica<strong>da</strong> a um<br />
campo <strong>de</strong> <strong>pesquisa</strong> específico, po<strong>de</strong>mos notar que a<br />
reflexão acerca dos probl<strong>em</strong>as morais <strong>da</strong> medicina<br />
t<strong>em</strong> uma longa e consoli<strong>da</strong><strong>da</strong> tradição, razão pela qual<br />
estão certos os críticos que sublimam não ter na<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />
ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iramente “novo” a não ser o próprio nome.<br />
Contudo, os autores insist<strong>em</strong> <strong>em</strong> afirmar que <strong>de</strong> uma<br />
certa forma o novo nome indica uma nova reali<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />
e o probl<strong>em</strong>a consiste precisamente <strong>em</strong> caracterizar<br />
tal aspecto. Segundo alguns, a novi<strong>da</strong><strong>de</strong> consiste no<br />
fato <strong>de</strong> que exist<strong>em</strong> novos probl<strong>em</strong>as que se colocam<br />
à consciência moral tais como aqueles relativos ao<br />
tratamento dos animais não-humanos, os do DNA<br />
recombinante, etc., probl<strong>em</strong>as que obrigam a ampliar o<br />
âmbito <strong>da</strong> <strong>ética</strong>. Mas essa posição não explica como se<br />
chega a essa ampliação, quais são suas conseqüências,<br />
n<strong>em</strong> como é que alguns dos probl<strong>em</strong>as mais discutidos<br />
<strong>em</strong> bio<strong>ética</strong> sejam os mais tradicionais, como é o caso<br />
<strong>da</strong> eutanásia e do aborto. Essa posição <strong>de</strong>ve, portanto,<br />
ser consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> ina<strong>de</strong>qua<strong>da</strong>.<br />
Outros, pelo contrário, observam que a novi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
consiste na abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> interdisciplinar que caracteriza a<br />
reflexão bio<strong>ética</strong>. Esse é, efetivamente, o aspecto mais<br />
vistoso, mas po<strong>de</strong>-se replicar que a interdisciplinari<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
não é um fenômeno novo. Pois já nos anos 1930-1940<br />
se enfrentavam probl<strong>em</strong>as <strong>da</strong> medicina tendo <strong>em</strong> conta<br />
as contribuições vin<strong>da</strong>s <strong>de</strong> várias disciplinas. Por isso, o<br />
probl<strong>em</strong>a <strong>de</strong>sloca-se <strong>para</strong> a explicação do que é realmente<br />
novo na atual “abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> interdisciplinar”. De regra,<br />
esse esclarecimento n<strong>em</strong> é tido <strong>em</strong> conta, mas, enquanto<br />
não é a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong>mente precisado, a posição permanece<br />
genérica <strong>de</strong>mais <strong>para</strong> ser efetivamente a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong>.