capacitação para comitês de ética em pesquisa - BVS Ministério da ...
capacitação para comitês de ética em pesquisa - BVS Ministério da ...
capacitação para comitês de ética em pesquisa - BVS Ministério da ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
naquela pratica<strong>da</strong> <strong>em</strong> países periféricos <strong>da</strong> Bio<strong>ética</strong> como o<br />
Brasil 8 . A referência aos princípios éticos como a instância<br />
medidora dos conflitos morais v<strong>em</strong> sendo um recurso <strong>de</strong><br />
pensamento que permite transpor a incomensurabili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
dos conflitos morais, ao apelar <strong>para</strong> um ser humano além <strong>da</strong><br />
contingência <strong>da</strong>s culturas e <strong>da</strong>s morali<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Ou seja, o mérito<br />
<strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as teorias bio<strong>ética</strong>s inspira<strong>da</strong>s <strong>em</strong> um ser humano<br />
transcen<strong>de</strong>ntal, que obe<strong>de</strong>ceria aos princípios <strong>da</strong> autonomia<br />
ou beneficência, foi apontar uma saí<strong>da</strong> <strong>ética</strong> <strong>para</strong> os conflitos<br />
morais pela sublimação <strong>da</strong>s contingências do indivíduo.<br />
Seguramente foi essa fantasia filosófica, isto é, a <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong><br />
um tribunal e <strong>de</strong> um ser humano além-<strong>da</strong>s-contingências,<br />
o que <strong>de</strong>u o impulso inicial e necessário à estruturação <strong>da</strong><br />
Bio<strong>ética</strong> nos centros acadêmicos <strong>de</strong> todo o mundo.<br />
Mas o interessante <strong>da</strong> inspiração teórica <strong>de</strong>sses estudos <strong>de</strong><br />
<strong>ética</strong> aplica<strong>da</strong>, como inicialmente ficou conheci<strong>da</strong> a Bio<strong>ética</strong>,<br />
foi o reforço <strong>da</strong> filosofia anti-realista, isto é, a referência a<br />
autores e estruturas argumentativas que não estavam aptas a<br />
li<strong>da</strong>r com a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> que havia impulsionado o surgimento<br />
<strong>da</strong> bio<strong>ética</strong>. Essas primeiras teorias bio<strong>ética</strong>s, <strong>em</strong> que a<br />
inspiração era Kant, Platão, Hipócrates, Aristóteles, quando<br />
muito Rawls e Mill, referiam-se a uma estrutura social e<br />
moral <strong>da</strong> humani<strong>da</strong><strong>de</strong> s<strong>em</strong> contraparti<strong>da</strong> no mundo real.<br />
Para essas teorias, havia um ser humano i<strong>de</strong>al, inserido <strong>em</strong><br />
uma estrutura <strong>de</strong>cisória também fantasiosa, <strong>em</strong> que o sujeito<br />
kantiano cumpridor <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>veres era a referência simbólica<br />
preferi<strong>da</strong>. Era um mundo i<strong>de</strong>alizado on<strong>de</strong> se supunha que as<br />
pessoas, diante <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões importantes, como o momento<br />
<strong>da</strong> morte, por ex<strong>em</strong>plo, mediriam sua competência <strong>de</strong>cisória<br />
notas<br />
1. Segundo Rothman, as revistas <strong>de</strong> que Beecher extraiu seus <strong>da</strong>dos foram jornais<br />
<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> prestígio internacional, tais como: New England Journal of Medicine,<br />
Journal of Clinical Investigation, Journal of American Medical Association,<br />
Circulation (“Ethics and Human Experimentation: Henry Beecher Revisited”. In:<br />
The New England Journal of Medicine, v. 317, n. 19, p. 116, 1987.<br />
2. Beecher, Henry. “Ethics and Clinical Research”. In: The New England Journal<br />
of Medicine, June, 16, p. 1354-1360, 1966.<br />
3. Apesar <strong>de</strong> o Brasil ter optado pelo conceito “consentimento livre e esclarecido”,<br />
optei por manter a expressão usa<strong>da</strong> originalmente por Beecher.<br />
4. Beecher, Henry. “Ethics and Clinical Research”. In: The New England Journal<br />
of Medicine, June, 16, p. 1360, 1966.<br />
5. Rothman, David J. Strangers at the Bedsi<strong>de</strong>: a history of how law and bioethics<br />
transformed medical <strong>de</strong>cision making. USA. Basic Books. 1991; Rothman, David<br />
J. “Ethics and Human Experimentation: Henry Beecher Revisited”. In: The New<br />
England Journal of Medicine, v. 317, n. 19, p. 1587, 1987. Segundo a tradução livre<br />
<strong>em</strong> Língua Portuguesa.<br />
6. Além <strong>de</strong> Jonas, outras 14 pessoas foram convi<strong>da</strong><strong>da</strong>s <strong>para</strong> comentar o artigo<br />
Referências Bibliográficas<br />
Beauchamp, T.; Childress, J. Principles of biomedical ethics. New York: Oxford<br />
University, 1979.<br />
Beecher, H. Ethics and clinical research. The New England Journal of Medicine,<br />
n. 16, p. 1354-1360, jun. 1966.<br />
Garrafa, V.; Diniz, D.; Guilh<strong>em</strong>, D. Bioethical language and its dialects and<br />
CAPACITAÇÃO PARA COMITÊS DE ÉTICA EM PESQUISA<br />
por meio <strong>de</strong> princípios éticos consi<strong>de</strong>rados como a referência<br />
valorativa <strong>de</strong> b<strong>em</strong>-viver <strong>para</strong> a humani<strong>da</strong><strong>de</strong>. Essas teorias, <strong>em</strong><br />
vez <strong>de</strong> enfrentar a cruel<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> ausência <strong>de</strong> sentido inerente<br />
aos conflitos <strong>de</strong> morali<strong>da</strong><strong>de</strong>s, foss<strong>em</strong> eles o aborto, a eutanásia<br />
ou a ven<strong>da</strong> <strong>de</strong> órgãos, optaram pelo caminho tranqüilizador <strong>da</strong><br />
sublimação.<br />
O interessante é que não se negou diretamente o real,<br />
tampouco os conflitos que o acompanhavam, pois, na<br />
ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, falou-se <strong>de</strong>sses conflitos como nunca antes na<br />
história <strong>da</strong> morali<strong>da</strong><strong>de</strong> médica. O que havia era apenas<br />
um silêncio <strong>em</strong> torno <strong>da</strong> incomensurabili<strong>da</strong><strong>de</strong> dos<br />
conflitos, uma vez que a referência era a humani<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
como uma abstração. Em conseqüência, a ilusão <strong>de</strong> uma<br />
solução <strong>para</strong> os conflitos morais recuperou sua força.<br />
Foi assim que, inespera<strong>da</strong>mente, a disciplina que havia<br />
surgido <strong>para</strong> aproximar o espírito <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> moral<br />
dos conflitos médicos <strong>de</strong>cretou antecipa<strong>da</strong>mente sua<br />
fraqueza <strong>em</strong> enfrentar a cruel<strong>da</strong><strong>de</strong> dos impasses próprios<br />
<strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, dos interesses e <strong>de</strong>sejos humanos. O disfarce<br />
ético dissimulava a diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> crenças e amenizava a<br />
inquietação inerente à toma<strong>da</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões – uma espécie<br />
<strong>de</strong> narcótico <strong>para</strong> a dúvi<strong>da</strong>. Dessa forma, os primeiros<br />
vinte anos <strong>de</strong> exercício <strong>da</strong> Bio<strong>ética</strong> caracterizaram-se<br />
pelo conforto <strong>da</strong>s ver<strong>da</strong><strong>de</strong>s transcen<strong>de</strong>ntes, os sagrados<br />
princípios éticos, que impediam os bioeticistas <strong>de</strong><br />
experimentar o sabor amargo <strong>da</strong> cruel<strong>da</strong><strong>de</strong> do real e <strong>de</strong> sua<br />
ausência <strong>de</strong> sentido. Escapamos <strong>da</strong>s <strong>pesquisa</strong>s perversas<br />
<strong>de</strong>scritas por Beecher <strong>para</strong> encontrarmos repouso <strong>em</strong> outra<br />
forma <strong>de</strong> cruel<strong>da</strong><strong>de</strong>: a ilusão <strong>da</strong> tranqüili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>ética</strong>.<br />
<strong>de</strong> Beecher; entre elas estavam: o próprio Henry Beecher; Guido Calabresi; Paul<br />
Freund; Margaret Mead; Talcott Parsons e Jay Katz (Rothman, David J. Strangers<br />
at the Bedsi<strong>de</strong>: a history of how law and bioethics transformed medical <strong>de</strong>cision<br />
making. USA. Basic Books. p. 97, 1991.<br />
7. Rothman, David J. Strangers at the Bedsi<strong>de</strong>: a history of how law and bioethics<br />
transformed medical <strong>de</strong>cision making. USA. Basic Books. p. 98, 1991.<br />
8. Gorovitz, Samuel; Jameton, Andrew; Macklin, Ruth; O’Connor, John; Perrin,<br />
Eugene; Clair, Beverly ; Sherwin, Susan (org.). Moral Probl<strong>em</strong>s in Medicine. New<br />
Jersey. Prentice-Hall. 1976; Beauchamp, Tom; Childress, James. Principles of<br />
Biomedical Ethics. New York. Oxford University Press, 1979. Para os conceitos<br />
<strong>de</strong> central e periférico na Bio<strong>ética</strong>, vi<strong>de</strong>: Garrafa, Volnei; Diniz, Debora; Guilh<strong>em</strong>,<br />
Debora. “Bioethical language and its dialects and idiolects”. In: Cad. Saú<strong>de</strong> Pública,<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro, n. 15 (Sup.1), p. 35-42, 1999. Somente a título <strong>de</strong> compreensão,<br />
l<strong>em</strong>bramos que o conceito <strong>de</strong> Bio<strong>ética</strong> periférica refere-se à condição <strong>da</strong> produção<br />
teórica <strong>da</strong> Bio<strong>ética</strong> brasileira, isto é, marca<strong>da</strong>mente importadora <strong>de</strong> teorias Bio<strong>ética</strong>s<br />
dos países centrais <strong>da</strong> Bio<strong>ética</strong> (os conceitos <strong>de</strong> central e periférico, apesar <strong>de</strong> sua<br />
referência lexical à estrutura econômica e social, diz<strong>em</strong> respeito exclusivamente à<br />
estrutura disciplinar <strong>da</strong> Bio<strong>ética</strong> entre os países).<br />
idiolects. Cad. Saú<strong>de</strong> Pública, Rio <strong>de</strong> Janeiro, n. 15, p. 35-42, 1999.<br />
Gorovitz, S. et. al. Moral probl<strong>em</strong>s in Medicine. New Jersey: Prentice-Hall, 1976.<br />
Rothman, D. J. Ethics and human experimentation: Henry Beecher revisited. The<br />
New England Journal of Medicine, v. 317, n. 19, p. 1196, 1987.<br />
Rothman, D. J. Strangers at the bedsi<strong>de</strong>: a history of how law and bioethics<br />
transformed medical <strong>de</strong>cision making. USA: Basic Books, 1991.<br />
107