capacitação para comitês de ética em pesquisa - BVS Ministério da ...
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CAPACITAÇÃO PARA COMITÊS DE ÉTICA EM PESQUISA<br />
virtu<strong>de</strong> do princípio <strong>de</strong> justiça, por ex<strong>em</strong>plo, i<strong>de</strong>al <strong>de</strong><br />
vi<strong>da</strong>, sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> valores, crenças religiosas, etc. Não<br />
obstante, existe um outro nível <strong>em</strong> que todos <strong>de</strong>v<strong>em</strong>os ser<br />
consi<strong>de</strong>rados iguais, <strong>de</strong> tal modo que as diferenças nesse<br />
nível <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>s injustiças -neste particular<br />
a Comissão não <strong>de</strong>ixou na<strong>da</strong> claro.<br />
O Relatório Belmont, um documento brevíssimo<br />
por sinal, inaugurou um novo estilo ético <strong>de</strong> abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong><br />
metodológica dos probl<strong>em</strong>as envolvidos na <strong>pesquisa</strong><br />
<strong>em</strong> seres humanos. Des<strong>de</strong> o mesmo não se analisa<br />
mais a partir <strong>da</strong> letra dos códigos e juramentos, mas a<br />
partir <strong>de</strong>stes três princípios, com os procedimentos<br />
práticos <strong>de</strong>les conseqüentes. Neste contexto, o trabalho<br />
<strong>de</strong> Beauchamp e Childress, consi<strong>de</strong>rados os “pais” <strong>da</strong><br />
reflexão principialista, vai ter gran<strong>de</strong> impacto, importância<br />
e sucesso nos anos seguintes.<br />
c) A obra clássica <strong>de</strong> Beauchamp e Childress 2<br />
É importante notar que o Relatório Belmont referiase<br />
somente às questões <strong>ética</strong>s levanta<strong>da</strong>s pela <strong>pesquisa</strong><br />
<strong>em</strong> seres humanos. Estava fora <strong>de</strong> seu horizonte<br />
<strong>de</strong> preocupação todo o campo <strong>da</strong> prática clínica e<br />
assistencial. Beauchamp e Childress, com sua famosa<br />
obra Principles Biomedical Ethics, aplicam <strong>para</strong> a<br />
área clínico-assistencial o “sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> princípios” e<br />
procuram, assim, livrá-la do velho enfoque próprio<br />
dos códigos e juramentos. Esta obra transformou-se<br />
na principal fun<strong>da</strong>mentação teórica do novo campo <strong>da</strong><br />
<strong>ética</strong> biomédica. Foi publica<strong>da</strong> inicialmente <strong>em</strong> 1979<br />
(<strong>em</strong> 1994 saiu a quarta edição, revista e amplia<strong>da</strong>),<br />
um ano após o Relatório Belmont. Um dos autores,<br />
Beauchamp, era m<strong>em</strong>bro <strong>da</strong> Comissão que redigiu o<br />
Relatório Belmont e se beneficiou <strong>de</strong> todo o processo.<br />
Beauchamp e Childress retrabalharam os três princípios<br />
<strong>em</strong> “quatro”, distinguindo beneficência e nãomaleficência.<br />
Além disso, <strong>para</strong> sua obra, basearamse<br />
na teoria <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> eticista inglês do início do<br />
século, Oavid Ross, que escreveu <strong>em</strong> 1930 um famoso<br />
livro intitulado The Right and the Good, <strong>em</strong> que fala<br />
dos <strong>de</strong>veres atuais e “prima facie” (prima facie duties<br />
e actual duties).<br />
Beauchamp e Childress, no prefácio <strong>de</strong> sua obra,<br />
procuram analisar sist<strong>em</strong>aticamente os princípios morais<br />
que <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser aplicados na biomedicina. Trata-se pois <strong>de</strong><br />
um enfoque claramente principialista: enten<strong>de</strong>m a <strong>ética</strong><br />
44<br />
biomédica como uma “<strong>ética</strong> aplica<strong>da</strong>”, no sentido <strong>de</strong> que<br />
a sua especifici<strong>da</strong><strong>de</strong> é aplicar os princípios éticos gerais<br />
aos probl<strong>em</strong>as <strong>da</strong> prática médico-assistencial.<br />
É conveniente assinalar que Beauchamp e Childress<br />
são pessoas com convicções filosóficas e <strong>ética</strong>s b<strong>em</strong><br />
distintas. Beauchamp é um utilitarista, enquanto que<br />
Childress é claramente um <strong>de</strong>ontologista. Suas teorias<br />
<strong>ética</strong>s são portanto distintas e dificilmente conciliáveis na<br />
hora <strong>de</strong> justificar ou fun<strong>da</strong>mentar os citados princípios.<br />
Mas ao invés <strong>de</strong> ver<strong>em</strong>-se frente a um abismo, os autores<br />
consi<strong>de</strong>ram isso uma vantag<strong>em</strong>. As discrepâncias teóricas<br />
não <strong>de</strong>v<strong>em</strong> impedir o acordo sobre normas, isto é, sobre<br />
princípios e procedimentos. Diz<strong>em</strong> eles que “o utilitarismo<br />
e o <strong>de</strong>ontologismo chegam a formular normas similares<br />
ou idênticas”. Todos, tanto os teleologistas como os<br />
<strong>de</strong>ontologistas, po<strong>de</strong>m aceitar o sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> princípios<br />
e chegar a <strong>de</strong>cisões idênticas <strong>em</strong> casos concretos, não<br />
obstante suas discrepâncias <strong>em</strong> relação aos aspectos<br />
teóricos <strong>da</strong> <strong>ética</strong>.<br />
Nos últimos 20 anos, a opinião <strong>de</strong> Beauchamp<br />
e Childress, a <strong>de</strong> que os princípios e as normas são<br />
consi<strong>de</strong>rados obrigatórios prima facie e estão no mesmo<br />
nível, ganhou aceitação <strong>de</strong> renomados bioeticistas e<br />
somente as circunstâncias e conseqüências po<strong>de</strong>m<br />
or<strong>de</strong>ná-los <strong>em</strong> caso <strong>de</strong> conflito. Mas a discussão continua.<br />
Por ex<strong>em</strong>plo, na perspectiva <strong>de</strong> Diego Gracia <strong>de</strong>ve-se<br />
priorizar a não-maleficência sobre a beneficência. Ele<br />
divi<strong>de</strong> os quatro princípios <strong>em</strong> dois níveis, a saber, o<br />
privado (autonomia e beneficência) e o público (nãomaleficência<br />
e justiça). Em caso <strong>de</strong> conflito entre <strong>de</strong>veres<br />
<strong>de</strong>stes dois níveis, os <strong>de</strong>veres no nível público s<strong>em</strong>pre<br />
têm priori<strong>da</strong><strong>de</strong> sobre os <strong>de</strong>veres individuais.<br />
O <strong>para</strong>digma <strong>da</strong> bio<strong>ética</strong> principialista 3<br />
Os “princípios éticos básicos”, quer sejam os três<br />
do Relatório Belmont ou os quatro <strong>de</strong> Beauchamp e<br />
Childress, propiciaram <strong>para</strong> os estudiosos <strong>de</strong> <strong>ética</strong> algo<br />
que sua própria tradição acadêmico-disciplinar não Ihes<br />
forneceu: um esqu<strong>em</strong>a claro <strong>para</strong> uma <strong>ética</strong> normativa<br />
que tinha <strong>de</strong> ser prática e produtiva.<br />
Segundo Albert Jonsen, um dos pioneiros <strong>da</strong> bio<strong>ética</strong>,<br />
os princípios <strong>de</strong>ram <strong>de</strong>staque <strong>para</strong> as reflexões mais<br />
abrangentes, vagas e menos operacionais dos filósofos e<br />
teólogos <strong>da</strong> época. Em sua simplici<strong>da</strong><strong>de</strong> e objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>,