capacitação para comitês de ética em pesquisa - BVS Ministério da ...
capacitação para comitês de ética em pesquisa - BVS Ministério da ...
capacitação para comitês de ética em pesquisa - BVS Ministério da ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
CAPACITAÇÃO PARA COMITÊS DE ÉTICA EM PESQUISA<br />
“padrão científico” e “padrão moral” <strong>de</strong> uma <strong>pesquisa</strong>,<br />
isto é, a distinção entre fatos e valores. Conforme a lei<br />
<strong>de</strong> Hume, fatos e valores <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser distintos, porque os<br />
fatos criados pela <strong>pesquisa</strong> científica, são verificáveis<br />
ou refutáveis experimentalmente, isto é, objetivos no<br />
sentido <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>da</strong>s crenças do <strong>pesquisa</strong>dor, ao<br />
passo que os valores são construções váli<strong>da</strong>s ao interior<br />
<strong>de</strong> uma <strong>de</strong>termina<strong>da</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> que compartilhe<br />
uma <strong>de</strong>termina<strong>da</strong> cosmovisão, sendo portanto, <strong>em</strong><br />
princípio, subjetivos. Quando não se faz esta distinção<br />
comete-se o que o filósofo inglês G. E. Moore chamou<br />
<strong>de</strong> falácia naturalista. Em suma, como afirma Henri<br />
Atlan, “as ciências e as técnicas, biológicas e médicas,<br />
criam probl<strong>em</strong>as éticos s<strong>em</strong> fornecer ao mesmo t<strong>em</strong>po<br />
os meios <strong>para</strong> resolvê-los” 2 ou, como afirma também<br />
J-P. Changeux, “a ciência progri<strong>de</strong>, mas não <strong>de</strong>fine seus<br />
objetivos. Ela constitui ver<strong>da</strong><strong>de</strong>s s<strong>em</strong> finali<strong>da</strong><strong>de</strong>s” 3<br />
III – A terceira pr<strong>em</strong>issa diz respeito à universali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
dos princípios morais numa <strong>de</strong>mocracia pluralista, on<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> fato coexist<strong>em</strong> várias concepções legítimas do B<strong>em</strong><br />
e do Mal. É por isso que no mundo cont<strong>em</strong>porâneo não<br />
existe mais uma <strong>ética</strong> universal váli<strong>da</strong> a priori, mas<br />
somente acordos morais parciais entre comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />
morais diversas que se respeitam reciprocamente e que,<br />
na melhor <strong>da</strong>s hipóteses, chegarão a um consenso a<br />
posteriori e generalizável pelo <strong>de</strong>bate entre os melhores<br />
argumentos. Caso contrário, ter-se-ão tentativas <strong>de</strong><br />
impor, pela força, uma moral universal a todos, mas,<br />
neste caso, ter<strong>em</strong>os uma moral auto<strong>de</strong>strutiva, visto que<br />
- como afirma ain<strong>da</strong> Henri Atlan – “um sist<strong>em</strong>a moral<br />
imposto pela força po<strong>de</strong> dificilmente ser consi<strong>de</strong>rado<br />
como moral e seguramente não po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado<br />
como universal” 4<br />
É neste contexto que trabalham os CEPs, surgidos<br />
<strong>em</strong> 1968 <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma longa gestação que começa<br />
com o Código <strong>de</strong> Nur<strong>em</strong>berg (1947), no qual afirmase<br />
o princípio mor <strong>da</strong> <strong>ética</strong> <strong>em</strong> <strong>pesquisa</strong> envolvendo<br />
seres humanos: o princípio do Consentimento Livre<br />
e Esclarecido.<br />
Características do trabalho dos CEPs brasileiros<br />
O principal instrumento <strong>de</strong> trabalho dos CEPs é a<br />
Resolução nº 196/96 do <strong>Ministério</strong> <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>, que não<br />
5<br />
é uma lei com po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> fiscalização e punição mas<br />
um instrumento cuja força normativa e prescritiva<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> convencimento. Isso faz tanto<br />
sua força como sua franqueza.<br />
Sua força, porque é majs facilmente a<strong>da</strong>ptável às<br />
transformações na percepção pública sobre os avanços<br />
<strong>da</strong> biotecnociência. A<strong>de</strong>mais, contrariamente a uma lei,<br />
que tornaria os m<strong>em</strong>bros <strong>de</strong> um CEP co-responsáveis<br />
juridicamente pela <strong>pesquisa</strong>, a Resolução só os torna coresponsáveis<br />
moralmente, o que toma os m<strong>em</strong>bros <strong>de</strong><br />
um CEP mais “consultores morais” do que ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iros<br />
fiscais <strong>da</strong> moral. Caso contrário, é muito provável que<br />
poucas pessoas aceitariam fazer parte <strong>de</strong> um CEP.<br />
Sua fraqueza, porque não fornece meios coercitivos<br />
eficazes <strong>para</strong> sancionar eventuais abusos, a não ser a<br />
con<strong>de</strong>nação moral pública (que po<strong>de</strong> funcionar ou não<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do menor ou maior consenso moral vigente<br />
sobre o assunto e do infrator se importar ou não com<br />
tal con<strong>de</strong>nação moral) e, eventualmente, a recusa <strong>de</strong><br />
financiamento público <strong>da</strong> <strong>pesquisa</strong> (o que não impe<strong>de</strong><br />
que tais fontes sejam <strong>de</strong> outro tipo).<br />
Os pareceres <strong>em</strong>itidos pelos CEPs são o resultado<br />
<strong>de</strong> uma <strong>de</strong>cisão colegial. Entretanto, contrariamente ao<br />
“mo<strong>de</strong>lo i<strong>de</strong>al” (como é o Comité Consultatif National<br />
d’Éthique francês, cuja totali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> m<strong>em</strong>bros <strong>de</strong>ve ler<br />
todos os projetos recebidos e <strong>em</strong>itir um parecer), no<br />
caso dos CEPs brasileiros, ca<strong>da</strong> projeto é analisado, <strong>de</strong><br />
regra, por pelo menos dois m<strong>em</strong>bros do CEP, sendo, <strong>em</strong><br />
segui<strong>da</strong>, discutido na plenária do CEP (que acontece<br />
regularmente a ca<strong>da</strong> mês).<br />
A garantia contra o corporativismo está na<br />
composição dos CEPs, formados não somente<br />
por <strong>pesquisa</strong>dores profissionais <strong>da</strong> área biomédica<br />
(indispensáveis <strong>para</strong> compreen<strong>de</strong>r os aspectos técnicos<br />
<strong>da</strong> <strong>pesquisa</strong>) n<strong>em</strong> por uma maioria pertencente a<br />
uma outra especiali<strong>da</strong><strong>de</strong>, mas necessariamente por<br />
especialistas “leigos” <strong>de</strong> outras áreas, <strong>em</strong> princípio não<br />
familiarizados com os serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> n<strong>em</strong> com os<br />
aspectos técnicos <strong>da</strong> <strong>pesquisa</strong> biomédica, tais como<br />
juristas, filósofos, antropólogos, sociólogos, teólogos<br />
e, sobretudo, por representantes <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> civil, <strong>em</strong><br />
particular, por representantes dos interesses dos assim<br />
chamados grupos vulneráveis.