o economista

normal, eu até iria, sob certo ponto de vista cívico e
social, o que não quer dizer que não concorde com as
Testemunhas de Jeová, por exemplo, ou com qualquer outra
pessoa que de consciência se queira abster de matar, de
tirar a vida a outrém. Então para quê que se é signatário
de uma declaração dos Direitos Universais do Homem, se
depois mandas matar aquilo que assumiste ser o mais
sagrado de tudo?...
—— A vida é complicada.—— acrescentou o kota Café
—— Os Jeovás quase praticam o suicídio, quando se abstêm
de receber transfusão de sangue...
—— O que é considerado crime numa determinada
sociedade, ou numa certa época, pode deixar de o ser
noutra sociedade ou noutra época, e sob outro ponto de
vista. —— retorquiu o Estudioso —— O suicídio dos
Kamikazes, os haraquiris, a eutanásia e outras práticas
que a história tem registado, têm os seus valores
diferenciados em função do tempo, da época, do lugar,
enfim, da interpretação e do intérprete.
A apreciar a conversa a partir do sítio em que se
encontrava sentado, o Comando pôs-se logo a recordar o
seu falecido amigo e ex-colega da recruta, o Pirangú.
Conhecera-o muito tempo antes de terem ido
apresentar-se no posto de recrutamento do Rangel. Era
então conhecido por Zé Manel, era um rapaz alto, de pele
achocolatada, cabelos lisos, pretos. Tinha um pouco de
sangue cabo-verdiano no seu sangue, e na escola, ali no
Ngola Mbandi, o rapaz era muito animado e simpático.
Nenhum sinal de violência ou de qualquer outro desvio
psicológico. Tinha a voz meiga, suave. Era uma doçura de
rapaz...
—— Quando depois de muitos anos, o rapaz voltou ao
bairro, —— contava o Comando, —— meus manos, aquilo era o
quê?! ... Era mais um monstro que uma pessoa!...
—— Tinham que lhe dar um banho, conforme dizem as
mais velhas, para lhe tirarem os espíritos maus, os
kalundús.—— acrescentou um dos clientes.
22