Hanseníase: políticas públicas e qualidade de vida de - Centro de ...
Hanseníase: políticas públicas e qualidade de vida de - Centro de ...
Hanseníase: políticas públicas e qualidade de vida de - Centro de ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
O preventório São Tarcísio, on<strong>de</strong> hoje é o município <strong>de</strong> Mário Campos, seguia o padrão do<br />
mo<strong>de</strong>lo tripé, o que trazia para os <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes do doente igualmente o estigma. O convívio<br />
com um parente <strong>de</strong> um leproso era consi<strong>de</strong>rado tão pernicioso quanto conviver com ele<br />
próprio. (CARVALHO, 2008).<br />
Com o aparecimento da sulfona, na década <strong>de</strong> 50, consolidou-se o tratamento científico da<br />
hanseníase, em substituição às terapias alternativas e as experimentais, e algumas pessoas da<br />
CSI passam a receber alta por cura e retornam as suas origens. (FIGUEIREDO, 2005).<br />
A Caixa Beneficente, primeira organização coletiva dos doentes na Colônia Santa Izabel, foi<br />
criada sob a tutela do Diretor para respon<strong>de</strong>r a <strong>de</strong>mandas que o Estado não cumpria. Os<br />
internos mantinham seu trabalho na CSI, mas buscavam outras formas <strong>de</strong> subsistir, e uma<br />
<strong>de</strong>las foi o que se chamou <strong>de</strong> “bate-gato”: praticado pelos internos, consistia na solicitação <strong>de</strong><br />
donativos a quem pu<strong>de</strong>sse aten<strong>de</strong>-los e era uma “estratégia <strong>de</strong> resistência e uma forma <strong>de</strong> se<br />
obter certa autonomia” frente à administração:<br />
“A solicitação <strong>de</strong> donativos por carta pela Caixa foi a primeira expressão do<br />
‘bate -gato’ na Colônia com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suprir uma necessida<strong>de</strong> que o<br />
Estado não atendia. A ati<strong>vida</strong><strong>de</strong> do ‘bate-gato’ era ganho secundário dos<br />
doentes e foi, durante um bom tempo, habilmente aproveitada por eles,<br />
consistindo numa estratégia <strong>de</strong> resistência importante.<br />
No auge da política <strong>de</strong> isolamento, a lepra tinha uma visibilida<strong>de</strong> social como<br />
poucas doenças da época, visibilida<strong>de</strong> amplificada pela ação das socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
Proteção e Defesa Contra a Lepra. A socieda<strong>de</strong> clamava pelo isolamento do<br />
leproso mas ao mesmo tempo havia um reconhecimento <strong>de</strong> sua for e sofrimento<br />
pela separação da família, era um discurso ambíguo. Os doentes se<br />
aproveitavam da situação <strong>de</strong> carência em que viviam e faziam uma interpelação<br />
à socieda<strong>de</strong>, ‘bolino’ com uma possível crise <strong>de</strong> consciência e responsabilida<strong>de</strong><br />
pela situação <strong>de</strong> miséria física e social que estavam vivendo, alguns chegando a<br />
superdimensionar a situação, com forma <strong>de</strong> angariar mais recursos.” (CURI,<br />
2002, p.197).<br />
“Na gíria dos doentes ‘bater gato’ significava pedir alguma coisa, objeto ou<br />
dinheiro, a quem pu<strong>de</strong>sse atendê-los. A ‘bateção <strong>de</strong> gatos’ entre eles tornou-se<br />
uma instituição organizada. Pediam tudo e <strong>de</strong> todos os modos.<br />
Nunca os faziam porém diretamente, <strong>de</strong> viva voz. Preferiam o estilo epistolar.<br />
Escreviam cartas nas quais extravazavam suas magoas e contavam sofrimentos<br />
e misérias que comoviam até a um fra<strong>de</strong> <strong>de</strong> pedra.” (DINIZ, 1961, p. 77)<br />
O “bate-gato” acirrava o estigma que envolvia a lepra, mas era uma forma <strong>de</strong> lucrar, ou<br />
mesmo sobreviver, que <strong>de</strong>pendia da exclusão representada pelo isolamento. (CURI, 2002).<br />
Este meio <strong>de</strong> arrecadação <strong>de</strong> recursos <strong>de</strong>clinou a partir da década <strong>de</strong> 1960 com o fim do<br />
isolamento compulsório, mas até a década <strong>de</strong> oitenta persistiu o envio <strong>de</strong> cartas pelo correio<br />
84