CUNHA, Cileide Alves. Aval do passado - Pós-Graduação em ...
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111<br />
como “jus sperniandi”, ou seja, “o direito que ele tinha de espernear para acabar com<br />
seus adversários”, para ele, uma coisa normal da política, que até hoje é assim: “Se o<br />
cara não t<strong>em</strong> defeito o adversário põe, inventa as coisas.” 188 Na época, entretanto, ele<br />
admite que ficou “extr<strong>em</strong>amente revolta<strong>do</strong>” quan<strong>do</strong> recebeu a notícia <strong>do</strong> decreto de<br />
cassação. “Cheguei a ficar durante algum t<strong>em</strong>po <strong>em</strong>burra<strong>do</strong> com Deus, porque eu sou<br />
muito t<strong>em</strong>ente a ele. Pensei:<br />
Uai, eu toma<strong>do</strong> de ideal, só pensava na administração, queren<strong>do</strong> fazer mais, o melhor, até hoje<br />
é <strong>do</strong> meu feitio, você vê, eu pego o poder e o que eu quero? É fazer mais que os outros, fazer<br />
melhor que os outros, servir melhor que os outros; é ser mais amigo <strong>do</strong>s pobres <strong>do</strong> que os<br />
outros; é isso. [...] Mas naquele auge, o Esta<strong>do</strong> inteiro vibran<strong>do</strong> com meu trabalho. [...] Ele me<br />
cassou, contribuiu para minha cassação, formalizou o pedi<strong>do</strong> que depois foi mostra<strong>do</strong> à<br />
sociedade. Mas era uma luta na época, era luta política. Eu era um entrave na vida dele,<br />
porque eu ia ganhar a eleição [para governa<strong>do</strong>r, <strong>em</strong> 1970]. Ia ganhar tranqüilo, com 80%. Me<br />
cassaram e daí a uns dias acabaram com a eleição para governa<strong>do</strong>r. Eu entendia aquilo como<br />
uma luta. Eu era um adversário, sob o aspecto eleitoral, perigoso, porque eu vinha de vitória<br />
sobre vitória. 189<br />
Iris confessa que só entendeu a “injustiça divina” quan<strong>do</strong> o governo acabou<br />
com a eleição direta para governa<strong>do</strong>r, marcada para o ano seguinte a sua cassação: 190<br />
“De repente, pouco mais de um mês depois, v<strong>em</strong> um ato acaban<strong>do</strong> com a eleição para<br />
governa<strong>do</strong>r. Se eu não tivesse si<strong>do</strong> cassa<strong>do</strong>, ia disputar o quê? Deputa<strong>do</strong>, sena<strong>do</strong>r, num<br />
regime de arbítrio onde deputa<strong>do</strong> não podia falar nada. Se fala no dia seguinte é<br />
cassa<strong>do</strong>. Então eu ia ser medíocre.” 191<br />
A censura impediu esclarecimentos sobre a cassação de Iris Rezende. Uma<br />
nota na capa <strong>do</strong> Popular, com o título “Ministros cassam prefeito de Goiânia”, fazia<br />
apenas a comunicação <strong>do</strong> fato. A Folha de Goiaz abriu sua edição de 18 de outubro de<br />
1969 com a manchete “Cassa<strong>do</strong>s Iris e mais 13”, mas, apesar <strong>do</strong> destaque da notícia na<br />
capa, a informação também não passou de um mero comunica<strong>do</strong> s<strong>em</strong> reportag<strong>em</strong><br />
interna. Curiosamente, no Popular <strong>do</strong> dia 17, quan<strong>do</strong> a cassação era assinada<br />
188<br />
Entrevista <strong>em</strong> 4/7/2007.<br />
189<br />
Entrevista, ibid<strong>em</strong>.<br />
190<br />
O Ato Institucional nº 3, de fevereiro de 1966, fixou eleições indiretas para governa<strong>do</strong>r, vicegoverna<strong>do</strong>r,<br />
prefeito e vice-prefeito das capitais. Só que a Constituição de 1967 definiu, <strong>em</strong> seu artigo<br />
175, das Disposições Transitórias, a primeira eleição geral de deputa<strong>do</strong>s e a parcial de sena<strong>do</strong>res, assim<br />
como a <strong>do</strong>s governa<strong>do</strong>res e vice-governa<strong>do</strong>res, para 15 de nov<strong>em</strong>bro de 1970. A Emenda Constitucional<br />
nº 1, de 17 de outubro de 1969, mu<strong>do</strong>u novamente a regra: o artigo 189 determinou que a eleição <strong>do</strong><br />
próximo ano para governa<strong>do</strong>r fosse indireta, realizada <strong>em</strong> sessão pública e mediante votação nominal,<br />
pelo sufrágio de um colégio eleitoral constituí<strong>do</strong> pelas respectivas Ass<strong>em</strong>bléias Legislativas e que o<br />
colégio eleitoral se reuniria <strong>em</strong> 3 de outubro de 1970. Publicada no Diário Oficial da União <strong>em</strong> 20 de<br />
outubro, a <strong>em</strong>enda acabou com a eleição direta para governa<strong>do</strong>r três dias depois da cassação de Iris.<br />
191 Entrevista, ibid<strong>em</strong>.