18.06.2013 Views

CUNHA, Cileide Alves. Aval do passado - Pós-Graduação em ...

CUNHA, Cileide Alves. Aval do passado - Pós-Graduação em ...

CUNHA, Cileide Alves. Aval do passado - Pós-Graduação em ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

O dia para os pequenos começava às 4 horas da manhã, com um café<br />

reforça<strong>do</strong> na cozinha da casa que seu pai construíra na fazenda. Os <strong>do</strong>is meninos –<br />

posteriormente Jairo se juntou a eles – e os peões que trabalhavam na olaria, com o<br />

rebanho e, no perío<strong>do</strong> das chuvas, na lavoura, tomavam juntos o café da manhã. Havia<br />

várias opções para o desjejum. Mexi<strong>do</strong> com a sobra <strong>do</strong> jantar <strong>do</strong> dia anterior, feito <strong>em</strong><br />

excesso para sobrar para o café da manhã, leite, queijo, biscoito, bolo, mané-pela<strong>do</strong>,<br />

pão-de-queijo, biscoito de queijo, biscoito de polvilho, conheci<strong>do</strong> na região como fofão.<br />

“Na roça t<strong>em</strong> muita fartura.” O grupo se dividia para as três frentes de trabalho. Na<br />

seca, os meninos iam direto para a olaria e, no perío<strong>do</strong> chuvoso, começavam o dia no<br />

curral. Até as 7 horas, ajudavam a tirar o leite das vacas, a desnatar e a fazer o cr<strong>em</strong>e,<br />

vendi<strong>do</strong> para os laticínios. Do curral, Iris e Orlan<strong>do</strong> passavam no pasto para pegar o<br />

burro. O trabalho continuava na olaria. O animal era leva<strong>do</strong> para puxar a pipa, uma<br />

moenda usada para moer o barro.<br />

[...] o barro <strong>do</strong> barreiro não tinha liga. Você deixa um buraco junto da moenda, joga água [no<br />

barro] e aquilo passa por um amaciamento [...]. De manhã ele está no ponto. Aí você vai<br />

jogan<strong>do</strong> com pá, vai jogan<strong>do</strong>, o burro moen<strong>do</strong>, e vai sain<strong>do</strong> o barro amassa<strong>do</strong>, pronto para<br />

aquela massa perfeita, aquela liga. Põe aquilo no carrinho, mais ou menos uns 40 quilos, leva<br />

para o terreiro. Você faz aquela fila de monte de barro. Tu<strong>do</strong> é calcula<strong>do</strong>, de forma que vai<br />

fazen<strong>do</strong> e estenden<strong>do</strong> no terreno, vai trazen<strong>do</strong> a banca, o monte de barro. Quan<strong>do</strong> o sol saía,<br />

nós já tínhamos feito 600 tijolos, 700 tijolos. 31<br />

Orlan<strong>do</strong> e Iris tinham tarefas distintas. Orlan<strong>do</strong> preparava o barro, cortava o<br />

tijolo e Iris “laceava”, isto é, colocava o barro na fôrma, passava o arame e cortava.<br />

Depois, levava o tijolo para o terreiro e tirava a fôrma para secar. “T<strong>em</strong> o ponto certo <strong>do</strong><br />

barro, depende de muita experiência. O t<strong>em</strong>po vai transforman<strong>do</strong> o cara num operário<br />

apto. Não é qualquer pessoa que fabrica tijolo e telha.” 32 O almoço chegava <strong>em</strong><br />

31 Entrevista, ibid<strong>em</strong>.<br />

32 Entrevista, ibid<strong>em</strong>. Na primeira entrevista para esta pesquisa, Iris resumiu como foi sua vida na<br />

fazenda. Relatou as tarefas diárias, reclamou <strong>do</strong> t<strong>em</strong>po e <strong>do</strong> esforço de trabalho excessivos impostos às<br />

crianças e que seu pai fora “toma<strong>do</strong> de uma ambição exagerada.” Em nosso 16º encontro, realiza<strong>do</strong> mais<br />

de um ano depois <strong>do</strong> primeiro, provoquei-o a recuperar <strong>em</strong> detalhes as l<strong>em</strong>branças desse perío<strong>do</strong>. Em<br />

uma conversa que durou quase uma hora e meia, ele descreveu as casas onde morou na cidade, a mudança<br />

para a roça e detalhou o trabalho diário na fazenda. Suas respostas eram s<strong>em</strong>pre curtas, às vezes<br />

lacônicas. Foi um <strong>do</strong>s t<strong>em</strong>as que mais precisei intervir, fazen<strong>do</strong> muitas perguntas, para dar continuidade<br />

às l<strong>em</strong>branças e impedir que elas foss<strong>em</strong> interrompidas por seu silêncio. Parecia que ele não tinha<br />

interesse naquelas l<strong>em</strong>branças, que eram <strong>do</strong>lorosas. A transcrição desta entrevista revelou que a maioria<br />

das respostas tinha apenas duas ou três linhas, diferent<strong>em</strong>ente <strong>do</strong>s assuntos que o <strong>em</strong>polgam, como suas<br />

administrações, sobre os quais fala compulsivamente. As l<strong>em</strong>branças da infância na roça não lhe são<br />

prazerosas, e ele dá a impressão de não querer recordá-las. Na primeira entrevista, chegou a dizer que não<br />

tinha saudade daquele perío<strong>do</strong> e que, depois da mudança para Goiânia, sua vida virou um “piquenique.”<br />

Apesar de evitar as recordações, nesse dia ele falou de tu<strong>do</strong>, mesmo <strong>em</strong> respostas curtas. Ele não se<br />

esqueceu porque foram anos difíceis, que marcariam profundamente sua vida.<br />

50

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!