CUNHA, Cileide Alves. Aval do passado - Pós-Graduação em ...
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1.3 – Carreira política, opção de uma vida<br />
A escolha da m<strong>em</strong>ória de um político como objeto de pesquisa não é apenas<br />
um desafio natural de qualquer pesquisa calcada na m<strong>em</strong>ória, <strong>em</strong> função de suas já<br />
discutidas fragilidades, como as dúvidas sobre sua confiabilidade. Enveredar-se pela<br />
m<strong>em</strong>ória de um político por meio de suas l<strong>em</strong>branças pode possibilitar ao historia<strong>do</strong>r <strong>do</strong><br />
presente investigar a m<strong>em</strong>ória coletiva de seu grupo político. A m<strong>em</strong>ória de Iris<br />
Rezende não é individual; ela entrelaça-se com a de outros agentes <strong>do</strong> campo político e<br />
dá acesso à m<strong>em</strong>ória <strong>do</strong> grupo político <strong>do</strong> qual ele fez parte nos últimos 50 anos.<br />
Enten<strong>do</strong>, como Pena (2004), que o relato autobiográfico não é o espelho de<br />
uma suposta realidade, mas no máximo a “reconstrução dela”, um “efeito <strong>do</strong> real”. Iris<br />
fez a sua reinterpretação <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> com os el<strong>em</strong>entos que dispunha no presente. Nesse<br />
exercício prático, abriu mão da linearidade t<strong>em</strong>poral, substituin<strong>do</strong>-a pela<br />
simultaneidade: no momento <strong>em</strong> que l<strong>em</strong>brou acontecimentos <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, trouxe-os por<br />
meio da narrativa para o presente. O passa<strong>do</strong> torna-se presente, pela l<strong>em</strong>brança, na<br />
narrativa.<br />
“A m<strong>em</strong>ória só é m<strong>em</strong>ória no esquecimento ou no segre<strong>do</strong>, pois quan<strong>do</strong><br />
acionada também se torna discurso. Por este raciocínio, a m<strong>em</strong>ória não substitui o<br />
passa<strong>do</strong>, apenas mostra que ele falta” (2004, p. 23). A perspectiva de uma “m<strong>em</strong>ória <strong>em</strong><br />
segre<strong>do</strong>” nada significa para o historia<strong>do</strong>r, pois não se pode ter acesso a ela, da mesma<br />
forma que a m<strong>em</strong>ória esquecida. São fontes inacessíveis. Portanto, a m<strong>em</strong>ória se<br />
apresenta como discurso no ato de narrar.<br />
Desta forma, este trabalho também resvalará na história <strong>do</strong> t<strong>em</strong>po presente, 6 já<br />
que as l<strong>em</strong>branças de Iris Rezende não vão separar passa<strong>do</strong> <strong>do</strong> presente. Aliás, ele terá<br />
uma visão modificada <strong>do</strong>s acontecimentos <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> não apenas porque os enxerga<br />
pela lente <strong>do</strong> presente, mas também porque sua trajetória política não está guardada <strong>em</strong><br />
um baú de l<strong>em</strong>branças. Ela prossegue, mesmo que ele já não seja a mesma pessoa de 50<br />
anos atrás, muda<strong>do</strong> que foi por experiências e contingências da vida.<br />
Jornalistas, historia<strong>do</strong>res, sociólogos e politólogos são os principais<br />
interessa<strong>do</strong>s na história <strong>do</strong> t<strong>em</strong>po presente. Apesar da relação pouco amistosa entre os<br />
6 A fronteira que separa a história <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> da história <strong>do</strong> t<strong>em</strong>po presente não é facilmente delimitada.<br />
Ver essa discussão <strong>em</strong> CHAUVEAU, Agnès e TÉTARD, Philippe (Orgs.). Questões para a história <strong>do</strong><br />
t<strong>em</strong>po presente. Tradução de Ilka Stern Cohen. Bauru (SP): Edusc, 1999.<br />
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