CUNHA, Cileide Alves. Aval do passado - Pós-Graduação em ...
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A m<strong>em</strong>ória selecionada, mediada por Iris, é a sua ferramenta nesse processo de<br />
reconstrução. Isso indica que o ouvinte de suas l<strong>em</strong>branças vai trabalhar com uma<br />
m<strong>em</strong>ória que é “frágil e engana<strong>do</strong>ra” (Le Goff). O mesmo Le Goff busca uma pergunta<br />
de André Breton, <strong>em</strong> seus Carnets, apropriada a essa discussão: “E se a m<strong>em</strong>ória mais<br />
não fosse que um produto da imaginação?” (2003, p. 465). É também Le Goff qu<strong>em</strong><br />
l<strong>em</strong>bra os estu<strong>do</strong>s de Freud sobre a m<strong>em</strong>ória e sua grande contribuição <strong>em</strong> especial<br />
sobre a “censura da m<strong>em</strong>ória”.<br />
A possibilidade de a m<strong>em</strong>ória ser produto da imaginação e de ser censurada é<br />
relevante quan<strong>do</strong> se pensa nela como matéria-prima de reconstrução <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>. A<br />
m<strong>em</strong>ória vulnerável à imaginação aproxima qu<strong>em</strong> l<strong>em</strong>bra de um ficcionista, de acor<strong>do</strong><br />
com a escritora Rosa Montero, pois, como diz, cada ser humano é um romancista de si<br />
próprio. Há ainda a autocensura, que esconde fatos que incomodam ou que não passam<br />
pelo crivo da censura.<br />
Luiz Costa Lima também aceita a idéia de que a pessoa faz uma ficção sobre a<br />
própria vida. A essa ficção ele nomeia de m<strong>em</strong>orialismo. Para compreender a<br />
ficção/m<strong>em</strong>orialismo de Lima, um breve retorno à teoria <strong>do</strong> autor sobre o que é ser uma<br />
pessoa. O ser humano nasce biologicamente imaturo para a vida <strong>em</strong> espécie. Então, a<br />
convivência social será marcada pela constituição da persona, que “não nasce <strong>do</strong> útero<br />
senão que da sociedade” (s/d, p. 43). Esta só se concretizará pela “assunção de papéis”.<br />
“É pelos papéis que a persona se socializa e se vê a si mesma e aos outros como <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s<br />
de certo perfil, com direito pois a um tratamento diferencia<strong>do</strong>” (s/d, p. 43).<br />
O sujeito cria a persona, e esta assume papéis que interpreta <strong>em</strong> cada situação<br />
de sua vida. Pelo par persona–papel, segun<strong>do</strong> Lima, cada um de nós cria uma “janela”<br />
pela qual entra <strong>em</strong> contato com o mun<strong>do</strong>. Essa janela, para Lima, t<strong>em</strong> uma estrada de<br />
mão única: “Diante dela, deixa de trafegar o que não entra <strong>em</strong> seu ângulo de visão;<br />
assim sen<strong>do</strong>, o mun<strong>do</strong> da persona é antes um mun<strong>do</strong> sonha<strong>do</strong> <strong>do</strong> que visto” (s/d, p. 53).<br />
Por essa janela, entra a luz que ilumina o foco da visão da persona, que bloqueia a<br />
reflexão, apaga a contradição, deixan<strong>do</strong> no máximo “o desacor<strong>do</strong>, o surpreendente, o<br />
inespera<strong>do</strong>”. Este, diz, é o discurso próprio <strong>do</strong> m<strong>em</strong>orialista.<br />
Para o autor, o m<strong>em</strong>orialismo é “produto direto e imediato da ótica da<br />
persona”, é uma “ficção naturalizada, isto é, uma ficção (sobre a própria vida) que,<br />
entretanto, se entende como registro da verdade” (s/d, p. 53). O m<strong>em</strong>orialista que se<br />
recusa a uma “subversão interna” produzirá uma “ficção ingênua” sobre si próprio. E<br />
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