CUNHA, Cileide Alves. Aval do passado - Pós-Graduação em ...
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poderíamos compará-las a espelhos deforma<strong>do</strong>s. A análise da distorção específica de<br />
qualquer fonte implica já um el<strong>em</strong>ento construtivo” (2002, p. 44).<br />
Ao pesquisa<strong>do</strong>r cabe analisar a imag<strong>em</strong> deformada desse espelho. A voz <strong>do</strong><br />
objeto da pesquisa constrói sua própria narrativa, que se transforma <strong>em</strong> matéria-prima<br />
para a análise. O pesquisa<strong>do</strong>r, então, inclui sua fala como ferramenta da reconstrução<br />
dessa história, entendida como a narração de fatos notáveis de sua vida. Serão, portanto,<br />
duas vozes apenas.<br />
O discurso de qu<strong>em</strong> l<strong>em</strong>bra constrói um romance de sua vida, para<br />
concordarmos com a escritora espanhola Rosa Montero. Ela afirma que cada ser<br />
humano é um romancista, autor de um “romance único”, que é sua própria existência.<br />
Cada um de nós “inventa” sua própria l<strong>em</strong>brança, “inventa-se a si mesmo”, porque a sua<br />
“identidade reside na m<strong>em</strong>ória, no relato de sua biografia” (Montero, 2004, p.8).<br />
Um romance não brota <strong>do</strong> nada na cabeça de seu autor. To<strong>do</strong> ficcionista cria<br />
suas histórias com base <strong>em</strong> vivências pessoais, <strong>em</strong> experiências acumuladas na própria<br />
m<strong>em</strong>ória e na de seu grupo social. Ele busca no cotidiano a matéria-prima de sua obra.<br />
Com o “romancista da própria vida” não é diferente. Suas m<strong>em</strong>órias, mesmo que<br />
“inventadas”, também surg<strong>em</strong> de construções pessoais e coletivas.<br />
Em Halbwachs (2006), a m<strong>em</strong>ória é s<strong>em</strong>pre coletiva. Não nos l<strong>em</strong>bramos da<br />
primeira infância, diz, porque não éramos um “ente social”, isto é, porque não nos<br />
relacionávamos <strong>em</strong> grupo e, portanto, não pod<strong>em</strong>os contar com a m<strong>em</strong>ória desse grupo<br />
para construir a nossa própria.<br />
A m<strong>em</strong>ória individual é, para o autor, um “ponto de vista sobre a m<strong>em</strong>ória<br />
coletiva”, e esse ponto de vista muda dependen<strong>do</strong> <strong>do</strong> lugar que a pessoa ocupa <strong>em</strong><br />
determina<strong>do</strong> momento de sua vida. Esse lugar também muda “segun<strong>do</strong> as relações que<br />
mantenho com outros ambientes” (2006, p. 69). Reside aí outro aspecto importante da<br />
m<strong>em</strong>ória: sua mutação de acor<strong>do</strong> com o t<strong>em</strong>po e com o grupo com o qual se relaciona a<br />
pessoa que l<strong>em</strong>bra. Então, “l<strong>em</strong>brar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar<br />
com imagens e idéias de hoje as experiências <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>”. Ao reconstruir o passa<strong>do</strong>, a<br />
pessoa cria sua própria história, a sua ficção sobre o fato l<strong>em</strong>bra<strong>do</strong>.<br />
O indivíduo que l<strong>em</strong>bra não é o mesmo que presenciou ou protagonizou os<br />
fatos. Isso é muito claro na narração que Iris Rezende faz de seu passa<strong>do</strong>, agora com a<br />
maturidade de qu<strong>em</strong> completa seu cinqüentenário de carreira política. Ele s<strong>em</strong>pre deixa<br />
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