CUNHA, Cileide Alves. Aval do passado - Pós-Graduação em ...
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Jacques Le Goff, no ensaio “M<strong>em</strong>ória” (2003, p. 419-476), escolheu uma frase<br />
de Leroi-Gourhan que sintetiza com precisão sua pesquisa que cobre desde a “m<strong>em</strong>ória<br />
ética nas sociedades s<strong>em</strong> escritas, ditas ‘selvagens’”, passa pela m<strong>em</strong>ória, da oralidade à<br />
escrita, da Pré-História à Antiguidade, pela Idade Média, pela Renascença até chegar à<br />
cont<strong>em</strong>poraneidade de nossos dias: “A partir <strong>do</strong> Homo sapiens, a constituição de um<br />
aparato da m<strong>em</strong>ória social <strong>do</strong>mina to<strong>do</strong>s os probl<strong>em</strong>as da evolução humana” (2003, p.<br />
469).<br />
Le Goff relata esforços de povos de várias épocas para educar a m<strong>em</strong>ória<br />
(mn<strong>em</strong>otécnicas), difundi-la e preservá-la. Segun<strong>do</strong> relata, no Oriente Antigo, por<br />
ex<strong>em</strong>plo, as inscrições com<strong>em</strong>orativas multiplicaram os monumentos como as estelas e<br />
os obeliscos, “nos quais os reis quiseram imortalizar seus feitos através de<br />
representações figuradas [...]” (2003, p. 427).<br />
A preservação da m<strong>em</strong>ória por meio de monumentos foi o recurso da época,<br />
no início da escrita – quan<strong>do</strong> ainda se testavam suportes para a escrita <strong>em</strong> osso, pele,<br />
folhas de palmeiras, para só depois chegar ao papel, segun<strong>do</strong> a pesquisa de Le Goff. As<br />
formas mudaram, mas o interessante desse ex<strong>em</strong>plo <strong>do</strong> autor é o esforço <strong>do</strong> hom<strong>em</strong> para<br />
se manter vivo à posteridade.<br />
Pierre Nora afirma que a procura por “lugares de m<strong>em</strong>ória” está ligada ao<br />
momento particular de nossa história. “Fala-se tanto <strong>em</strong> m<strong>em</strong>ória porque ela não existe<br />
mais”, diz, para adiante afirmar que “o sentimento de continuidade torna-se residual aos<br />
locais. Há locais de m<strong>em</strong>ória porque não há mais meios de m<strong>em</strong>ória” (Nora, 1993, p. 7).<br />
Para Nora, m<strong>em</strong>ória e história opõ<strong>em</strong>-se. A primeira é vida, está viva, <strong>em</strong> evolução,<br />
aberta à dialética da l<strong>em</strong>brança e <strong>do</strong> esquecimento. Já a história “é a reconstrução<br />
s<strong>em</strong>pre probl<strong>em</strong>ática e incompleta <strong>do</strong> que não existe mais”, ela é a “[...] representação<br />
<strong>do</strong> passa<strong>do</strong>” (Nora, 1993, p. 9).<br />
O ideal de posteridade comum também a Iris Rezende foi ameaça<strong>do</strong> com o<br />
risco de esfacelamento de sua carreira a partir de 1998. Isso o levou a procurar um lugar<br />
de m<strong>em</strong>ória 4 . Esse lugar é socialmente construí<strong>do</strong>. O indivíduo pode até mesmo buscar<br />
4 Pierre Nora chama de “lugares de m<strong>em</strong>ória” os museus, bibliotecas, arquivos, c<strong>em</strong>itérios, coleções,<br />
festas, aniversários, trata<strong>do</strong>s, processos verbais, monumentos, santuários etc. São, enfim, to<strong>do</strong>s os<br />
“marcos test<strong>em</strong>unhas de uma outra era, das ilusões de eternidade”. É nesse senti<strong>do</strong> que aproveito a idéia<br />
de Nora. A autobiografia para Iris é como um “lugar de m<strong>em</strong>ória”. É neste “lugar” que ele pretende fazer<br />
a “representação <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>” de que nos fala Nora.<br />
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