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CUNHA, Cileide Alves. Aval do passado - Pós-Graduação em ...

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Aí eu disse: “Pai, não t<strong>em</strong> outra explicação a minha presença na política, senão uma coisa de<br />

Deus. Olha, eu já desobedeci ao senhor uma vez e vou desobedecer uma segunda vez. Eu não<br />

vou deixar não.” “Mas você não vai ganhar nunca <strong>do</strong> Juca [Lu<strong>do</strong>vico].” 24 “Mas eu pelo menos<br />

estou me candidatan<strong>do</strong> e posso ganhar também.” Nesse dia, eu falei: “Olha, pai, eu estou<br />

pensan<strong>do</strong> <strong>em</strong> me casar e se o senhor quiser me ajudar, arruman<strong>do</strong> uma casa para mim.” Ele<br />

não me falou nada, mas depois o meu irmão me levou para ver uma casa lá na [Rua] São<br />

Paulo para ver se servia. Era uma casa novinha, mas pequenininha. Eu falei “serve” e fiquei<br />

feliz. Bom, ganhei a eleição. Aí ele não conversou mais comigo desde que eu lhe desobedeci.<br />

Fui candidato a deputa<strong>do</strong> e ele não tinha assunto comigo. Eu chegava, falava “bênção, pai”, e<br />

ele “Deus te abençoe.” 25<br />

Seu pai cortou as relações com ele por quase quatro anos, nos três anos <strong>em</strong> que<br />

foi deputa<strong>do</strong> – ele se elegeu prefeito no terceiro ano <strong>do</strong> mandato – e nos dez primeiros<br />

meses de prefeito.<br />

Tínhamos o costume de ir à igreja to<strong>do</strong>s os <strong>do</strong>mingos de manhã. To<strong>do</strong>s os filhos tinham de<br />

passar na casa dele. Qu<strong>em</strong> quisesse almoçar, almoçava, qu<strong>em</strong> quisesse almoçar <strong>em</strong> outro lugar<br />

tinha de passar lá antes, na Vila Coimbra. Um <strong>do</strong>mingo, eu fui o primeiro a chegar e ele disse:<br />

“Você não está gastan<strong>do</strong> mais <strong>do</strong> que a prefeitura pode?” Eu falei “não pai, estou sen<strong>do</strong> até<br />

muito cuida<strong>do</strong>so.” [...] “É, mas tome cuida<strong>do</strong>, tome cuida<strong>do</strong>.” Eu disse: “o senhor não quer dar<br />

uma saidinha comigo? O senhor não t<strong>em</strong> idéia <strong>do</strong> que eu estou fazen<strong>do</strong>.” [...] Saímos e eu<br />

mostrei o barracão lá da prefeitura que eu estava fazen<strong>do</strong>, já estava asfaltan<strong>do</strong> o Setor Oeste.<br />

“Aqui, pai, nós estamos asfaltan<strong>do</strong> uma rua por dia. Antes asfaltavam uma rua por ano, agora<br />

faz<strong>em</strong>os uma por dia.” Na quarta-feira, a minha mãe me liga e diz: “Iris, seu pai está te<br />

chaman<strong>do</strong> para você ir com ele na fazenda de Guapó, agora à tarde para você descansar um<br />

pouquinho.” Eu não podia ir. Mandei cancelar as audiências, isso era mais ou menos meio-dia,<br />

e fui. Passamos a tarde. Aí acabou. 26<br />

A opção de desobedecer ao pai e seguir a carreira política deixou Iris<br />

dependente <strong>do</strong> salário de agente político. Ele sobreviveu da política durante 11 anos:<br />

três anos com o salário de verea<strong>do</strong>r; três anos com o salário de deputa<strong>do</strong> estadual, e<br />

quatro anos com o salário de prefeito de Goiânia.<br />

2.2 – A dura vida na roça<br />

24 Juca Lu<strong>do</strong>vico foi adversário de Iris Rezende na disputa pela prefeitura de Goiânia, <strong>em</strong> 1966.<br />

25 Entrevista, ibid<strong>em</strong>. A narrativa de Iris Rezende <strong>em</strong> todas as entrevistas é permeada por diálogos. Ele<br />

reproduz conversas, antigas ou recentes, na forma dialogal, refazen<strong>do</strong> as falas de seus interlocutores. Levi<br />

(2006) diz que o diálogo é “um meio eficaz de construir uma narrativa que dê conta <strong>do</strong>s el<strong>em</strong>entos<br />

contraditórios que constitu<strong>em</strong> a identidade de um indivíduo e das diferentes representações que dele se<br />

possa ter conforme os pontos de vista e as épocas.” L<strong>em</strong>bra que Rousseau utilizou-se desse recurso <strong>em</strong><br />

sua autobiografia diante da impossibilidade de contar a história de uma vida “s<strong>em</strong> que fosse deformada ou<br />

alterada.” Ao optar pelo diálogo, Iris pode estar crian<strong>do</strong> uma forma de comunicação “menos equívoca”,<br />

“uma forma de restituir ao sujeito sua individualidade complexa” (2006, p. 168-172).<br />

26 Entrevista <strong>em</strong> 18/6/2007.<br />

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