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O repasse do dinheiro público a organizações não-governamentais

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Esta<strong>do</strong> de grampoArtigo - Sergio BermudesImagine-se a surpresa, o espanto, o choque causa<strong>do</strong>spela notícia da gravação de uma conversa telefônica entre opresidente <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s e um sena<strong>do</strong>r da Califórnia,ou <strong>do</strong> Papa e seu secretário de Esta<strong>do</strong>, ou da Rainha daInglaterra e o seu primeiro-ministro. As seqüelas da ditaduraainda recente, onde se ia, da tortura à morte, da cassaçãoà aposenta<strong>do</strong>ria compulsória, da invasão <strong>do</strong> <strong>do</strong>micílio àviolação <strong>do</strong> sigilo de qualquer forma de correspondência, <strong>não</strong>podem, absolutamente, amortecer o impacto e a revolta comque precisa ser recebida a notícia da gravação da conversa <strong>do</strong>ministro Gilmar Mendes, presidente <strong>do</strong> Supremo TribunalFederal <strong>do</strong> Brasil, com o sena<strong>do</strong>r da República DemóstenesTorres. Impõe-se a análise <strong>do</strong> episódio, <strong>não</strong> como fato isola<strong>do</strong>da vida política <strong>do</strong> país - mais um, entre tantos ilícitosdiariamente cometi<strong>do</strong>s pelas autoridades -, porém numcontexto maior, que leva a indagar a quantas anda a tenrademocracia brasileira, na sua essência e na sua existência.Já no preâmbulo, a Constituição da República Federativa<strong>do</strong> Brasil apregoa a instituição de um esta<strong>do</strong> democrático.No art. 1º, ela insiste na idéia, declaran<strong>do</strong> que a República“constitui-se em esta<strong>do</strong> democrático de direito”. Prosseguea carta política, tratan<strong>do</strong>, no art. 136, <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> de defesa,assecuratório da ordem pública e da paz social, segui<strong>do</strong>,se ineficaz, pelo esta<strong>do</strong> de sítio, conforme o art. 137, I,da lei fundamental. Essas instituições visam a preservara democracia, a prestigiá-la, desenvolvê-la e consolidá-la,num país cuja história se encontra pontilhada de perío<strong>do</strong>sde exceção, caracteriza<strong>do</strong>s pela transgressão sistemática <strong>do</strong>sdireitos fundamentais e da ordem jurídica. É exemplo dissoo Esta<strong>do</strong> Novo, de Getúlio Vargas, vesti<strong>do</strong> com roupagensjurídicas pelo talento servil de Francisco Campos.O conteú<strong>do</strong> anódino da conversa <strong>do</strong> ministro GilmarMendes com o sena<strong>do</strong>r Demóstenes Torres é irrelevante. Nãodissimula, de nenhum mo<strong>do</strong>, um fato por si só gravíssimoporque implica a violação <strong>do</strong> sigilo de comunicação telefônica,assegura<strong>do</strong> pelo art. 5º, XII, da Constituição federal. Cresce,entretanto, de significa<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> denuncia, a cavaleiro dequalquer hesitação, a existência de um esta<strong>do</strong> de grampo,para criar expressão <strong>do</strong> feitio da utilizada pelo constituinte de1988 com os mais nobres propósitos. Instaurou-se esse esta<strong>do</strong>,inimigo das instituições democráticas, dentro <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>brasileiro, no âmbito <strong>do</strong> Poder Executivo, aparentementesem a ciência e a conivência <strong>do</strong> presidente da República e<strong>do</strong> seu ministro da Justiça, à revelia deles, o que só agravao problema porque mostra que, como órgão de informação,a Abin transformou-se numa autarquia incontrolável, de talmo<strong>do</strong> desvigiada que chega à ousadia de grampear o telefone<strong>do</strong> presidente <strong>do</strong> STF, levan<strong>do</strong> a cogitar se o presidente daRepública <strong>não</strong> estaria também submeti<strong>do</strong> a um controle <strong>do</strong>órgão que lhe está subordina<strong>do</strong>.O Executivo <strong>não</strong> precisa aguardar uma provocação daCorte Suprema, para cumprir o compromisso <strong>do</strong> seu chefee <strong>do</strong>s subordina<strong>do</strong>s dele com a Constituição. Necessitacompreender o alcance da anomalia, comprovadapela divulgação <strong>do</strong> diálogo, confirma<strong>do</strong> por seusinterlocutores, de mo<strong>do</strong> a afastar qualquer indagaçãosobre a autenticidade <strong>do</strong> texto, afinal publica<strong>do</strong>. Sabe-seque a tendência <strong>do</strong>s órgãos de informação é exceder-se nacaptação e acumulação de elementos de uso abrangente,mesmo contra as autoridades. Simples ane<strong>do</strong>ta, ou <strong>não</strong>,pode-se lembrar a atitude de Lyn<strong>do</strong>n Johnson quan<strong>do</strong>,assumin<strong>do</strong> a Presidência <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, teve dedecidir sobre a permanência de J. Edgar Hoover nocoman<strong>do</strong> <strong>do</strong> FBI, que ele controlou com mão de ferro,desde a sua nomeação pelo presidente Herbert Hoover eatravés <strong>do</strong>s governos de Roosevelt, Truman, Eisenhowere Kennedy: “melhor tê-lo dentro da tenda, fazen<strong>do</strong>pipi para fora, <strong>do</strong> que fora da tenda, fazen<strong>do</strong> pipi paradentro”, decidiu o experiente e prático estadista. Masé necessário conter os órgãos de informação para queajam de acor<strong>do</strong> com a exigência constitucional da estritalegalidade, sem desvios nem exorbitâncias. A omissão <strong>do</strong>Executivo em punir, rapidamente, os agentes <strong>do</strong> ilícitoe os responsáveis pelos órgãos transgressores será umaatitude de imper<strong>do</strong>ável conivência com uma situaçãocompromete<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> democrático de direito.Reconheça-se que <strong>não</strong> se pode debitar apenas aopresidente da República, a ministros dele e funcionáriosde escalões inferiores a implantação <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> de grampo.A culpa é também de to<strong>do</strong>s nós que aceitamos convivercom o descalabro: da sociedade civil, que encara asinterceptações com naturalidade e resignação; <strong>do</strong>sadvoga<strong>do</strong>s e <strong>do</strong> Ministério Público que <strong>não</strong> reagem àbrutalidade; <strong>do</strong>s parlamentares emudeci<strong>do</strong>s; <strong>do</strong> próprioJudiciário, agora ataca<strong>do</strong> e ofendi<strong>do</strong> na pessoa <strong>do</strong>seu chefe, quan<strong>do</strong> autoriza, pusilânime ou desatento,indiscriminadas medidas cuja natureza só por exceçãose admitiriam. Devem-se, então, analisar, detidamente,os atos judiciais permissivos <strong>do</strong> afastamento da garantiaconstitucional, até para pensar-se em providênciascorretivas adequadas, como, por exemplo, a outorga decompetência exclusiva aos presidentes <strong>do</strong>s tribunaispara autorizar a quebra de sigilo, com a responsabilidadecorrespondente. A menos que se queira fazer o que autoresfranceses chamam “o jogo da avestruz”, é indispensávele urgente se buscarem soluções que alforriem oBrasil <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> de grampo e <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> de pânico quedesconvencem da existência <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> democrático dedireito, <strong>do</strong> sonho da Constituição e <strong>do</strong> povo, em cujonome ela foi outorgada.SERGIO BERMUDES é advoga<strong>do</strong> e professor da PUC/RJ.Jornal O Globo - 2 de setembro de 2008Revista TCMRJ n. 39 - setembro 200893

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