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O Primo Basílio - Unama

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www.nead.unama.br<br />

Luísa, de pé junto do piano, sentia o cheiro do feno que ela usava; o fado, os<br />

versos entristeciam-na um pouco; e com o olhar saudoso seguia sobre o teclado os<br />

dedos ágeis e magros de Leopoldina, onde reluziam as pedras dos anéis que lhe<br />

tinha dado o Gama.<br />

Mas Juliana entrou, vestida de passeio, com a sua cuia nova. Estava o jantar<br />

na mesa!<br />

Leopoldina declarou que vinha a cair de fome! E a sala de jantar com as<br />

vidraças abertas, as verduras dos terrenos vagos defronte, um azul de horizonte<br />

onde se algodoavam nuvenzinhas muito brancas — alegrou-a; a sala de jantar dela<br />

tirava-lhe até o apetite; era uma tristeza; deitava para o saguão!<br />

Pôs-se a depenicar bagos de uvas, a trincar bocadinhos de conserva — e<br />

reparando no retrato do pai de Jorge, desdobrando o guardanapo:<br />

— Havia de ser divertido teu sogro! Tem cara de pândego!<br />

— E há que tempos que não jantavam juntas! Desde quando?<br />

— Desde o meu primeiro ano de casada — lembrou Luísa.<br />

Leopoldina fez-se um pouco vermelha. Viam-se muito nesse tempo; Jorge ir<br />

às lojas ambas, aos confeiteiros, à Graça... A lembrança daquela camaradagem<br />

levou-a às recordações mais distantes do colégio. Tinha visto, havia dias, a Rita<br />

Pessoa, com o sobrinho. — Lembraste dele?<br />

— O Espinafre?<br />

— "Espinafre" ou não era no colégio o homem, o ideal, o herói; todas lhe<br />

escreviam bilhetes, desenhavam-lhe corações de onde saia uma fogueira; metiamlhe<br />

no boné muito sebento ramos de flores de papel... E quando a Micaela foi<br />

apanhada, no cacifo dos baús, a devorá-lo de beijos!...<br />

Luísa disse:<br />

— Que horror!<br />

— Não que a Micaela era doida!<br />

Coitada! Tinha casado com um alferes, um homem que a espancava. Estava<br />

cheia de filhos...<br />

— Isto é um vale de lágrimas! — resumiu Leopoldina, recostando-se.<br />

Estava loquaz. Servia-se muito, com gula; depois picava um bocadinho na<br />

ponta do garfo, provava, deixava, punha-se a comer côdeas de pão que barrava de<br />

manteiga. E deleitava-se nas recordações do colégio! Que bom tempo!<br />

— Lembraste quando estivemos de mal?<br />

Luísa não se lembrava...<br />

— Por tu teres dado um beijo na Teresa, que era o meu sentimento — disse<br />

Leopoldina.<br />

Puseram-se a falar dos sentimentos. Leopoldina tivera quatro; a mais bonita<br />

era a Joaninha , a Freitas. Que olhos! E que bem feita! Tinha-lhe feito a corte um mês.<br />

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