16.04.2013 Views

O Primo Basílio - Unama

O Primo Basílio - Unama

O Primo Basílio - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

— Que susto que tive! — suspirou Luísa.<br />

— Tiveste?<br />

www.nead.unama.br<br />

Ela não respondeu; ia perdendo a percepção nítida das coisas; sentia-se<br />

como adormecer; balbuciou: — Jesus! Não! Não! — Os seus olhos cerraram-se.<br />

Quando a campainha retiniu fortemente às dez horas, Luísa, havia<br />

momentos, sentara-se à beira do divã. Mal teve força de dizer a <strong>Basílio</strong>:<br />

— Há de ser a Juliana, tinha ido fora...<br />

<strong>Basílio</strong> cofiou o bigode, deu duas voltas na sala, foi acender um charuto.<br />

Para quebrar o silêncio sentou-se ao piano, tocou alguns compassos ao acaso, e,<br />

erguendo um pouco a voz, começou a cantarolar a ária do terceiro ato do Fausto.<br />

— Al pallido chiarore. Dei ostri d'oro...<br />

Luísa, através das últimas vibrações dos seus nervos, ia entrando na<br />

realidade; os seus joelhos tremiam. E então, ouvindo aquela melodia, uma<br />

recordação foi-se formando no seu espírito, ainda estremunhado: era uma noite,<br />

havia anos, em São Carlos, num camarote com Jorge; uma luz elétrica dava ao<br />

jardim, no palco, um tom lívido de luar legendário; e numa atitude extática e<br />

suspirante o tenor invocava as estrelas; Jorge tinha-se voltado, dissera-lhe: "Que<br />

lindo!" E o seu olhar devorava-a. Era no segundo mês do seu casamento. Ela estava<br />

com um vestido azul-escuro. E à volta, na carruagem, Jorge, passando-lhe a mão<br />

pela cinta, repetia:<br />

— Al pallido chiarore. Dei astri d'oro...<br />

E apertava-a contra si...<br />

Ficara imóvel à beira do divã, quase a escorregar, os braços frouxos, o olhar<br />

fixo, a face envelhecida, o cabelo desmanchado. <strong>Basílio</strong> então veio sentar-se<br />

devagarinho junto dela. Em que estava a pensar?<br />

— Nada.<br />

Ele passou-lhe o braço pela cinta, começou a dizer que havia de procurar<br />

uma casinha para se verem melhor, estarem mais à vontade; não era mesmo<br />

prudente ali em casa dela...<br />

E falando, voltava a cada momento o rosto, soprava para o lado o fumo do<br />

charuto.<br />

— Não te parece que vir eu aqui, todos os dias, pode ser reparado?<br />

Luísa ergueu-se bruscamente; lembrara-lhe Sebastião!... E com uma voz um<br />

pouco desvairada:<br />

— Já é tão tarde! — disse.<br />

— Tens razão.<br />

Foi buscar o chapéu em bicos de pés, veio beijá-la muito, saiu.<br />

Luísa sentiu-o acender um fósforo, fechar devagarinho a cancela.<br />

114

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!