O Primo Basílio - Unama
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www.nead.unama.br<br />
estado doente! Enquanto se não arranja outra é necessário fazer as coisas... Mas tu<br />
falas, falas! Para me afligir!...<br />
— Estás a dizer tolices, filha. Não estás em ti. Eu o que não quero é que te<br />
canses!<br />
— Para que dizes então que tenho medo dela? — E as lágrimas<br />
recomeçavam. — Medo de quê? Por que hei de eu ter medo dela? Que despropósito!<br />
— Pois bem, não digo. Não se fala mais na criatura. Mas não chores... Vá,<br />
acabou-se — Beijou-a. E tomando-a pela cinta, levando-a docemente: — Vá, o ferro<br />
agora. Vem! Que criança que tu és!<br />
Por bondade, por consideração com os nervos de Luísa, Jorge durante alguns<br />
dias não falou na criatura. Mas pensava nela; e aquele estafermo, com os pés para a<br />
cova, em sua casa, exasperava-o. Depois as madracices que lhe percebera, os<br />
confortos do quarto que vira na noite em que ela desmaiara, aquela bondade ridícula<br />
de Luísa!... Achava aquilo estranho, irritante!... Como estava fora de casa todo o dia, e<br />
diante dele Juliana só tinha sorrisos para Luísa, muitas atitudes de afeto, imaginava<br />
que ela se soubera insinuar e, pelas pequenas intimidades de ama a criada, se<br />
tomara necessária e estimada. Isso aumentava a sua antipatia. E não a disfarçava.<br />
Luísa vendo-o às vezes seguir Juliana com um olhar rancoroso, tremia! Mas<br />
o que a torturava era a maneira que Jorge adotara de falar dela com uma veneração<br />
irônica; chamava-lhe "a ilustre D. Juliana, a minha ama e senhora!" Se faltava um<br />
guardanapo ou um copo, fingia-se espantado: "Como! a D. Juliana esqueceu-se!<br />
Uma pessoa tão perfeita!" Tinha gracejos que gelavam Luísa.<br />
— A que sabia o filtro que ela te deu? Era bom?<br />
Luísa agora, diante dele, já nem se atrevia a falar a Juliana com um modo<br />
natural; temia os sorrisos malignos, os apartes: "Anda, atira-lhe um beijo, conhecese<br />
na cara que estás com vontade de lho atirar!" E, receando as suspeitas dele,<br />
querendo mostrar-se independente, começou na sua presença, a falar a Juliana com<br />
uma dureza brusca, muito afetada. A pedir-lhe água, uma faca, dava à voz inflexões<br />
de um rancor postiço.<br />
Juliana, muito fina, tinha percebido tudo, e suportava calada. Queria evitar<br />
toda a questão que a perturbasse no seu conchego. Sentia-se agora muito mal, e<br />
nas noites em que não podia dormir com aflições asmáticas, punha-se a pensar com<br />
terror — se fosse expulsa daquela casa, para onde iria? Para o hospital!<br />
Tinha por isso medo de Jorge.<br />
— Ele está morto por me pilhar em desleixo grosso, e descartar-se de mim<br />
— dizia ela à tia Vitória, mas não lhe hei de dar esse gosto, ao boi manso!<br />
E Luísa, pasmada, vira-a pouco a pouco recomeçar a fazer todo o serviço,<br />
com zelo, aparentemente; e todavia às vezes não podia, vencida pela doença; tinha<br />
flatos que a faziam cair numa cadeira, arquejando, com as mãos no coração. Mas<br />
reagia. Uma ocasião mesmo vendo Luísa a passar um espanejador pelas consolas<br />
da sala, zangou-se:<br />
— A senhora faz favor de se não meter no meu serviço? Eu ainda posso!<br />
Ainda não estou na cova!<br />
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