O Primo Basílio - Unama
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A sua tristeza aumentava cada dia.<br />
Refugiava-se então no amor de Jorge como na sua única consolação. A<br />
noite trazia-lhe a sua desforra; Juliana a essa hora dormia; não via a sua cara<br />
medonha; não a receava; não tinha de a elogiar; não trabalhava por ela! Era ela<br />
mesma, era Luísa, como dantes! Estava na sua alcova, com o seu marido, fechada<br />
por dentro, livre! Podia viver, rir, conversar, ter até apetite! E trazia com efeito às<br />
vezes marmelada e pão para o quarto — para fazer uma ceiazinha!<br />
Jorge estranhava-a. "Tu de noite és outra", dizia. Chamava-lhe "ave<br />
noturna". Ela ria em saia branca pelo quarto, com os braços nus, o colo nu, o cabelo<br />
num rolo; e passarinhava, cantarolava, chalrava — até que Jorge lhe dizia:<br />
— Passa da uma hora, filha!<br />
Despia-se então rapidamente, caía-lhe nos braços.<br />
Mas que acordar! Por mais clara que estivesse a manhã, tudo lhe parecia<br />
vagamente pardo. A vida sabia-lhe má. Vestia-se devagar, com repugnância —<br />
entrando no seu dia como numa prisão.<br />
Perdera agora toda a esperança de se libertar! Às vezes ainda lhe vinha,<br />
como um relâmpago, a vontade de contar tudo a Sebastião, tudo. Mas quando o via,<br />
com o seu olhar honesto, abraçar Jorge, rirem ambos, e irem fumar o seu cachimbo,<br />
e ele tão cheio sempre de admiração por ela, parecia-lhe mais fácil sair para a rua,<br />
pedir dinheiro ao primeiro homem que encontrasse — que ir a Sebastião, ao íntimo<br />
de Jorge, ao melhor amigo da casa, dizer-lhe: "Escrevi uma carta a um homem, a<br />
criada roubou-ma!" Não, antes morrer naquela agonia de todos os dias, e ter ela<br />
mesma, de rastos, de lavar as escadas! As vezes refletia, pensava: — "Mas com<br />
que conto eu? —" Não sabia. Com o acaso, com a morte de Juliana... E deixava-se<br />
viver, gozando como um favor cada dia que vinha sentindo vagamente, à distância,<br />
alguma coisa de indefinido e de tenebroso onde se afundaria!<br />
Por esse tempo Jorge começou a queixar-se que as suas camisas andavam<br />
mal-gomadas. A Juliana positivamente "perdia a mão". Um dia mesmo zangou-se;<br />
chamou-a, e atirando-lhe uma camisa toda amarrotada:<br />
— Isto não se pode vestir, está indecente!<br />
Juliana fez-se amarela; cravou em Luísa um olhar chamejante; mas, com os<br />
beiços trêmulos, desculpou-se: a goma era má, fora já trocá-la, etc.<br />
Apenas, porém, Jorge saiu, veio como uma rajada ao quarto, fechou a porta<br />
e pôs-se a gritar — que a senhora sujava um ror de roupa, o senhor um ror de<br />
camisas, que se não tivesse alguém que a ajudasse não podia dar aviamento!...<br />
Quem queria negras trazia-as do Brasil!<br />
— E não estou para aturar o gênio do seu marido, percebe a senhora? Se<br />
quer é arranjar quem me ajude.<br />
Luísa disse simplesmente:<br />
— Eu a ajudarei.<br />
Tinha agora uma resignação muda, sombria, aceitava tudo!<br />
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