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O Primo Basílio - Unama

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os atrevimentos, como um vinho alcoólico. Começou a experimentar as chaves; a mão<br />

tremia-lhe; de repente a lingüeta, com um estalinho seco, cedeu! Ergueu a tampa,<br />

estavam ali talvez! E então, com cautela, muito femininamente, pôs-se a tirar as<br />

coisas uma por uma, pondo-as em cima do colchão: o vestido de merino; um leque<br />

com figuras douradas, embrulhado em papel de seda; velhas fitas roxas e azuis,<br />

passadas a ferro; uma pregadeira de cetim cor-de-rosa, com um coração bordado a<br />

matiz; dois frasquinhos de cheiro, intactos, tendo colados ao vidro raminhos de rosas<br />

de papel recortado; três pares de botinas embrulhadas em jornais; a roupa branca, de<br />

onde se exalava um cheiro à madeira e de folhas de maçã camoesa. Entre duas<br />

camisas estava um maço de cartas atadas com um nastro... Nenhuma era dela! Nem<br />

de <strong>Basílio</strong>! Eram de letra de aldeia, ininteligível e amarelada! Que raiva! E ficou a olhar<br />

para a arca vazia, de pé; com os braços tristemente caídos.<br />

Uma sombra de repente passou diante do postigo. Estremeceu, aterrada. um<br />

gato que, com passos leves, vadiava pelo telhado. — Tornou a repor tudo as mesmas<br />

dobras, fechou a arca, ia a sair — mas lembrou-se de procurar na gaveta da mesa e<br />

debaixo do travesseiro. Nada! Impacientou-se então; não se queria ir sem ter gasto<br />

toda a esperança; desmanchou a roupa da cama, remexeu a palha amolentada do<br />

enxergão, sacudiu as velhas botinas, esgaravatou os cantos... Nada! Nada!<br />

Subitamente, a campainha tocou. Desceu a correr. Que surpresa! Era D.<br />

Felicidade.<br />

— És tu! Como estás tu? Entra.<br />

Estava melhor, veio logo contando pelo corredor. Saíra na véspera da<br />

Encarnação; o pé às vezes ainda lhe fazia mal; mas graças a Deus estava escapa!<br />

E que lhe agradecesse, era a sua primeira visita!<br />

Entraram no quarto. Escurecia. Luísa acendeu as velas.<br />

dela.<br />

— E como me achas tu, hein? — perguntou D. Felicidade, pondo-se diante<br />

— Um bocadito mais pálida.<br />

Ai! Tinha sofrido muito! Ergueu a saia, mostrou o pé calçado num sapato<br />

largo; obrigou Luísa a apalpá-lo... Que uma consolação lhe restava: é que toda a<br />

Lisboa a fora ver! Graças a Deus! Toda a Lisboa; o que há de melhor em Lisboa!<br />

— E tu esta semana — acrescentou — nem apareceste! Pois olha que te<br />

cortaram na pele...<br />

— Não pude, filha. O Jorge chega amanhã, sabias?<br />

— Ah, sua brejeira! Viva! Está esse coraçãozinho aos pulos! — E disse-lhe<br />

um segredinho.<br />

Riram muito.<br />

— Pois eu — continuou D. Felicidade sentando-se — arranjei-te hoje a<br />

partida. Encontrei esta manhã o Conselheiro, que me disse que vinha. Encontrei-o<br />

aos Mártires! Olha que foi sorte, logo no primeiro dia que saí! E um bocado adiante<br />

dou com Julião; diz que também vinha!... — E com a voz desfalecida:<br />

— Sabes? Tomava uma colherinha de doce...<br />

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