O Primo Basílio - Unama
O Primo Basílio - Unama
O Primo Basílio - Unama
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
www.nead.unama.br<br />
escuro, e sob o dossel cor de violeta os ouros do trono. Um silêncio fresco e alto<br />
repousava. Diante do batistério um rapaz de joelhos, com um balde de zinco ao pé,<br />
esfregava o chão com uma rodilha, discretamente; dorsos de beatas, encapotados ou<br />
cobertos de xales tingidos, curvavam-se, aqui e além, diante de um altar; e um velho,<br />
de jaqueta de saragoça, prostrado no meio da igreja, rosnava rezas numa melopéia<br />
lúgubre; via-se a sua cabeça calva, as tachas enormes dos sapatos, e a cada<br />
momento, dobrando-se, batia no peito com desespero.<br />
Luísa subiu ao altar-mor. <strong>Basílio</strong> impacientava-se, decerto, pobre rapaz!<br />
Perguntou então, timidamente, as horas a um sacristão que passava. O homem<br />
ergueu a sua face cor de cidra para uma janela na cúpula, e olhando Luísa de lado:<br />
— Vai indo para as duas.<br />
Para as duas! Era capaz de não esperar, <strong>Basílio</strong>! Veio-lhe um receio de<br />
perder a sua manhã amorosa, um desejo áspero de se achar no Paraíso, nos braços<br />
dele! E olhava vagamente os santos, as virgens trespassadas de espadas, os<br />
Cristos chagados — cheia de impaciências voluptuosas, revendo o quarto, a<br />
caminha de ferro, o pequeno bigode de <strong>Basílio</strong>!... Mas demorou-se, queria "fatigar o<br />
Conselheiro, deixá-lo ir". Quando pensou que ele teria partido, saiu devagarinho. —<br />
Viu-o logo à porta, direito, com as mãos atrás das costas, lendo a pauta dos jurados.<br />
Começou imediatamente a louvar a sua devoção. Não entrara porque não<br />
quisera perturbar o seu recolhimento. Mas aprovava-a muito! A falta de religião era a<br />
causa de toda a imoralidade que grassava...<br />
— E além disso é de boa educação. Vossa Excelência há de reparar que<br />
toda a nobreza cumpre...<br />
Calou-se; aprumava a estatura, todo satisfeito de descer o Chiado com<br />
aquela linda senhora, tão olhada. Mesmo, ao passar por um grupo, curvou-se para<br />
ela misteriosamente; disse-lhe ao ouvido, sorrindo:<br />
— Está um dia apreciável!<br />
E ofereceu-lhe bolos à porta do Baltresqui. Luísa recusou.<br />
— Sinto. Todavia acho muito sensata a regularidade nas comidas.<br />
A sua voz vinha agora a Luísa com a impertinência de um zumbido; apesar<br />
de não fazer calor, abafava, picava-lhe o sangue no corpo; tinha vontade de deitar a<br />
correr, de repente; e todavia caminhava devagar, infeliz, como sonâmbula, cheia de<br />
necessidade de chorar.<br />
Sem razão, ao acaso, entrou no Valente. Era hora e meia! Depois de hesitar<br />
pediu gravatas de fular a um caixeiro louro e jovial.<br />
— Brancas? De cor? De riscas? Com pintinhas?<br />
— Sim, verei, sortidas.<br />
Não lhe agradavam. Desdobrava-as, sacudia-as, punha-as de lado; e olhava<br />
em roda vagamente, pálida... O caixeiro perguntou-lhe se estava incomodada:<br />
ofereceu-lhe água, qualquer coisa...<br />
156