O Primo Basílio - Unama
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www.nead.unama.br<br />
— Estoura. Eu estou a cortar-lhe a febre por um lado, e tu a dar-lha por<br />
outro? Estás doido!<br />
Estava realmente indignado. Interessava-se por Luísa como doente.<br />
Desejava muito curá-la; e sentia uma satisfação em exercer o domínio de pessoa<br />
necessária naquela casa, onde as suas visitas tinham tido sempre uma atitude<br />
dependente; mesmo agora, ao sair, não se esquecia de oferecer negligentemente<br />
um charuto a Jorge.<br />
Jorge foi heróico durante toda essa tarde. Não podia estar muito tempo na<br />
alcova de Luísa, a desesperação trazia-o num movimento contraditório; mas ia lá a<br />
cada momento, sorria-lhe, conchegava-lhe a roupa com as mãos trêmulas; e ela<br />
dormitava, ficava imóvel a olhá-la feição por feição, com uma curiosidade dolorosa e<br />
imoral, como para lhe surpreender no rosto vestígios de beijos alheios, esperando<br />
ouvir-lhe nalgum sonho da febre murmurar um nome ou uma data; e amava-a mais<br />
desde que a supunha infiel, mas de um outro amor, carnal e perverso. Depois ia-se<br />
fechar no escritório, e movia-se ali entre as paredes estreitas, como um animal numa<br />
jaula. Releu a carta infinitas vezes, e a mesma curiosidade roedora, baixa, vil,<br />
torturava-o sem cessar: Como tinha sido? Onde era o Paraíso? Havia uma cama?<br />
Que vestido levava ela? O que lhe dizia? Que beijos dava?<br />
Foi reler todas as cartas que ela lhe escrevera para o Alentejo, procurando<br />
descobrir nas palavras sintomas de frieza, a data da traição! Tinha-lhe ódio então,<br />
voltavam-lhe ao cérebro idéias homicidas — esganá-la, dar-lhe clorofórmio, fazer-lhe<br />
beber láudano! E depois imóvel, encostado à janela, ficava esquecido num cismar<br />
espesso, revendo o passado, o dia do seu casamento, certos passeios que dera<br />
com ela, palavras que ela dissera...<br />
Às vezes pensava — seria a carta uma mistificação? Algum inimigo dele<br />
podia tê-la escrito, remetido para a França. Ou talvez <strong>Basílio</strong> tivesse outra Luísa em<br />
Lisboa, e por engano ao sobrescritar o envelope tivesse escrito o nome da prima; e<br />
a alegria momentânea que lhe davam aquelas fantasias fazia-lhe parecer a<br />
realidade mais cruel. Mas como fora? Como fora? Se pudesse saber a verdade!<br />
Tinha a certeza que sossegaria, então! Arrancaria decerto do seu peito aquele amor<br />
como um parasita imundo; apenas ela melhorasse, levá-la-ia a um convento, e ele<br />
iria morrer longe, na África, ou algures... Mas quem saberia?... JULIANA!<br />
Era ela que sabia! Decerto! E todas as condescendências dela por Juliana,<br />
os móveis, o quarto, as roupas, compreendeu tudo! Era a pagar a cumplicidade! Era<br />
a sua confidente! Levava as cartas, sabia tudo. E estava na vala, morta, sem poder<br />
falar, a maldita!<br />
Sebastião, como costumava, veio à noitinha. Não havia ainda luzes, e,<br />
apenas ele entrou, Jorge chamou-o ao escritório, calado, acendeu uma vela, tirou a<br />
carta da gaveta.<br />
— Lê isto.<br />
Sebastião ficara assombrado ao ver o rosto de Jorge. Olhava a carta<br />
fechada, e tremia. Apenas viu a assinatura, uma palidez de agonia cobriu-lhe o<br />
rosto. Parecia-lhe que o soalho tinha uma vibração onde ele se firmava mal. Mas<br />
dominou-se leu devagar, pousou a carta sobre a mesa, sem uma palavra.<br />
Jorge disse então:<br />
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