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O Primo Basílio - Unama

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www.nead.unama.br<br />

réguas bem dispostas. Via-se o sinete de armas do Conselheiro, pousado sobre a<br />

Carta Constitucional ricamente encadernada. Encaixilhada, na parede, pendia a<br />

carta régia que o nomeara Conselheiro; defronte uma litografia de El-rei; e sobre<br />

uma mesa era eminente o busto em gesso de Rodrigo da Fonseca Magalhães,<br />

tendo no alto da cabeça uma coroa de perpétuas — que ao mesmo tempo o<br />

glorificava e o chorava.<br />

Julião pusera-se logo a examinar a livraria.<br />

— Prezo-me de ter os autores mais ilustres, amigo Zuzarte! — disse com<br />

orgulho o Conselheiro.<br />

Mostrou-lhe a História do consulado e do império, as obras de Delille, o<br />

Dicionário da conversação, a ediçãozinha bojuda da Enciclopédia Roret, o Parnaso<br />

lusitano. Falou dos seus trabalhos; e acrescentou que, vendo ali reunidas pessoas<br />

de tão subida ilustração, desejaria muito ler-lhes algumas das provas que estava<br />

revendo do seu novo livro — Descrição das principais cidades do reino e seus<br />

estabelecimentos, para ouvir a opinião deles, desassombrada e severa!<br />

— Se não acham maçada...<br />

— Prazer, Conselheiro! Prazer!<br />

Escolheu então, "como mais própria para dar idéia da importância do<br />

trabalho", a página relativa a Coimbra. Assoou-se, colocou-se no meio da saleta, de<br />

pé, com as folhas na mão, e, com uma voz cheia, gestos pausados, leu:<br />

— ... Reclinada molemente na sua verdejante colina, como odalisca em seus<br />

aposentos, está a sábia Coimbra, a Lusa Atenas. Beija-lhe os pés, segredando-lhe<br />

de amor, o saudoso Mondego. E em seus bosques, no bem conhecido salgueiral, o<br />

rouxinol e outras aves canoras soltam seus melancólicos trilos. Quando vos<br />

aproximais pela estrada de Lisboa, onde outrora uma bem organizada mala-posta<br />

fazia o serviço que o progresso hoje encarregou à fumegante locomotiva, vede-la<br />

branquejando, coroada do edifício imponente da Universidade, asilo da sabedoria.<br />

Lá campeia a torre com o sino, que em sua folgazã linguagem a mocidade estudiosa<br />

chama "a cabra". Para além logo uma copada árvore vos atrai as vistas: é a<br />

celebrada árvore dos Dórias, que dilata seus seculares ramos no jardim de um dos<br />

membros desta respeitável família. E avistais logo, sentados nos parapeitos da<br />

antiga ponte, em seus inocentes recreios, os briosos moços, esperança da pátria, ou<br />

requebrando galanteios com as ternas camponesas que passam reflorindo de<br />

mocidade e frescura, ou revolvendo em suas mentes os problemas mais árduos de<br />

seus bem elaborados compêndios...<br />

— Está a sopa na mesa — veio dizer uma criada, de avental branco, muito<br />

nutrida.<br />

— Muito bem, Conselheiro, muito bem! — disse logo o Saavedra do Século,<br />

erguendo-se. — E admirável!<br />

Declarou para os lados com autoridade que o estilo era digno de um Rebelo<br />

ou de um Latino, e que realmente estava-se precisando muito em Portugal de uma<br />

obra daquele quilate... E pensava baixo: "Grandíssima cavalgadura!..." O que era a<br />

sua apreciação genérica de todas as obras contemporâneas — excetuando os seus<br />

artigos no Século.<br />

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